São Paulo (AUN - USP) - A pesquisa de mestrado de Yuzuru Izawa de Abreu, “Você S/A.: A Análise do discurso da mídia sobre o trabalho, a partir da analítica do poder de Michel Foucault”, visa discutir a força da circulação de um discurso que mostra o trabalhador ideal. Este deve ser alguém que saiba tirar uma radiografia de si próprio, descobrindo seus potenciais e corrigindo seus erros, e fazer o tipo hipercompetitivo, multifuncional, ambicioso, o “grande vencedor”. O interessante desse trabalho é como se consegue conjugar uma série de disciplinas que, à primeira vista, não têm relação entre si: Administração, Filosofia, Jornalismo e Sociologia e Ciência Política.
A primeira delas faz parte do curso a que o mestrado pertence e está ligada à formação do aluno em temas como recursos humanos e relações de trabalho.
No campo na filosofia, a escolha do filósofo francês Michel Foucault como eixo principal de uma pesquisa que conta com vários autores explica-se pela importância de alguns conceitos abordados em suas obras, como o saber-poder, a ordem do discurso e a sexualidade. Um em especial é o Biopoder, que ajuda a explicar o efeito de poder que um discurso pode causar sobre as pessoas.
Yuzuru explica que, dentre as várias interpretações, “o Biopoder basicamente é o efeito internalizado, pedagógico, prescritivo, de ‘construção de um sujeito’”. É por isso que a revista analisada no mestrado, a Você S/A, permanentemente reforça imagens de medo, como desemprego, competição, futuro incerto, para definir, pedagogicamente, como deve ser um bom trabalhador, um ser “docilizado”, na terminologia foucaultiana, que adapta-se ao capital, sem que este precise forçar essa adaptação.
Esse modelo de novo trabalhador está presente em todas as camadas sociais desde o alto executivo até o desempregado, e é repetido numa “circulação circular” da informação, expressão do sociólogo Pierre Bourdier, até que o discurso crie sua própria verdade. É aí que estão presentes os temas de Sociologia e de Ciência Política.
Esse discurso, característico da pós-modernidade, leva o sujeito a analisar a si mesmo, descobrir seus pontos fortes e fracos, visualizar seus planos para o futuro para poder construir discursos sobre si mesmo, sobre quem ele é, se ele é normal ou não e como poderia se adaptar, encaixar-se nessa normalidade. Alguns adjetivos ou expressões são freqüentemente utilizados para caracterizar esse novo trabalhador: agressivo, ético, empreendedor, dinâmico, flexível, competente, adaptável às mudanças, líder, trabalha em equipe, sempre tem foco em resultados, no cliente, no processo, etc.
Foucault caracterizou essa repetição de palavras-chaves voltadas ao padrão do medo e do modelo de funcionário ideal de discurso “pastoral”, aquele que tem como função dar uma possibilidade de salvação ao indivíduo, dando-lhe didaticamente um caminho, cuja predominância são as soluções individuais para problemas sociais. A ênfase recai sobre a identidade da pessoa, sendo mais importante o “ser” do que o “agir”. É daí que vem a explicação do grande aumento de literatura de “auto-ajuda” empresarial, de testes de personalidade e de auto-avaliação, e da exposição maior de casos de sucessos, de brasileiros em grandes companhias ou no exterior, mostrando o padrão ideal que o trabalhador deve atingir e como atingi-lo. A maneira de se chegar ao sucesso invariavelmente sustentada baseia-se em três pilares, sustentados por ideologias liberais: educação contínua, trabalho duro e personalidade vitoriosa.
Por fim, a disciplina Jornalismo está implícita, pois se escolheu uma mídia principal para análise, a revista Você S/A, mas foram usados outros veículos impressos e, na opinião do autor, poderiam ter sido escolhidos vários outros. Isso porque a função da mídia, nesse caso, é apenas servir de câmara de ressonância, reproduzindo e amplificando um discurso que é extremamente comum na nossa sociedade e funciona de maneira autônoma. Assim, Yuzuru tira um pouco a força de manipulação da mídia e os interesses políticos-econômicos por trás de uma publicação.
A força dessa circulação discursiva afeta políticas públicas, práticas de Recursos Humanos, currículos escolares, matérias jornalísticas, cursos de pós-graduação e pesquisas científicas, formando um sistema que Foucault chamou de “Dispositivo de poder”, um conjunto heterogêneo de instituições, pessoas e práticas que materializam um discurso de relações de poder no cotidiano.
Yuzuru gostaria, com o seu trabalho, de despertar o interesse de outros pesquisadores pela obra de Michel Foucault, que seria importante nos dias de hoje, onde nos encontramos, em quase todas as áreas do conhecimento, rodeados por discursos hegemônicos, alguns com tendências direitistas, pseudo-científicas e autoritárias, que buscam um monopólio absoluto da verdade e a criação de critérios normativos para o que o ser humano é ou deve ser.