“Talvez seja essa compaixão do homem pelo homem que mantenha o homem em estado de verme. A piedade é a pior das crueldades”. Para o filósofo Luiz Fuganti, a crença no ideal é uma covardia; isso porque o homem estaria colocando uma utopia no lugar dos acontecimentos reais e se afastando da vida. Ao sempre esperar que algo aconteça ou especular sobre o que já aconteceu, a ausência diante da existência já estaria naturalizada, a ponto de jamais se viver o imediato dos acontecimentos, por não se perceber a sua ocorrência. Este homem a que o filósofo se refere, “fabricado nos acontecimentos da vida”, teria nascido junto com o capitalismo; não existia 200 anos atrás.
Na conferência “Biopolítica: produção de saúde e educação”, que ocorreu durante a Semana de Psicologia e Educação do Instituto de Psicologia (IP) da USP, Fuganti sugeriu que, em vez de celebrar a consciência humana como diferencial em relação a todos os seres da natureza, poderíamos exercer uma suspeita de que a consciência seja “a porta de entrada do inimigo em nós”. Deste modo, aquilo o que entendemos por sujeito, poderia ser o fim deprecado por outra instância operada em nós como se fosse nós mesmos, “o eu que virou policial em nós, aquilo que nos controla”. O filósofo afirma que, quanto mais este “eu” se torna competente, um organismo eficiente, mais nós somos recompensados. Esta seria a estrutura das “sociedades disciplinares”, em que o homem é seu próprio prisioneiro e escravo, ainda que acredite possuir autonomia sobre si.
Conforme Fuganti, apesar de o homem tratar da consciência como aquilo que o diferencia de todos os outros seres, ela não passa de um “pedaço de exterioridade” do qual raramente ele consegue se libertar. Sendo assim, quanto mais tenta se conectar a seu interior, mais ele o afasta. Ao fazer com que a consciência, que é retardada, seja a sua presença, o homem apenas conseguiria perceber um acontecimento depois que ele ocorre. “Esperamos que algo aconteça ou tememos que aconteça, mas enquanto acontece não percebemos”, declara o filósofo.
A crença na qual tudo tem um fim estaria prejudicando o ser humano, segundo Fuganti. Para ele, o objetivo nada mais é do que uma visão parcial; antes e depois dele algo muito mais interessante aconteceria, mas não teríamos foco para isso que ele chama de “acontecimento de nós mesmos”. O filósofo fala de um acontecimento da essência do homem, que ocorreria a cada minuto, “modificamos a nossa essência na medida e segundo a maneira que nós existimos”. Diante disso, ele aponta que raramente há um questionamento sobre o que realmente se quer, visto que o homem não saberia o que quer exatamente por não se conhecer, nunca se procurar, “somos homens de conhecimento e não nos conhecemos”; Fuganti diz que a dimensão “absolutamente real e urgente” disso raramente é percebida.