Diariamente, aproximadamente 17 toneladas de retalhos são jogadas no lixo nas regiões do Bom Retiro e do Brás, no centro de São Paulo. Alguns deles são ricos em matérias-primas nobres, como por exemplo, o algodão, e vão parar direto nos aterros sanitários. Buscando a reintrodução desses materiais no mercado, sejam para compósitos – a fibra como reforço de um material plástico – ou, até mesmo, como produtos têxteis – roupas, revestimentos de carros, acústicos e térmicos – o doutorando Welton Fernando Zonatti, orientado das professoras Júlia Baruque Ramos e Wânia Duleba, estuda a possibilidade de reciclagem desses retalhos. “Se você tem uma matéria-prima que você pode recuperar, por que não?”, indaga a professora Júlia Baruque.
“A princípio, a ideia é começar com as fibras de algodão”, explica a professora. É uma matéria-prima nobre, com um alto custo de produção e beneficiamento. Além da questão ambiental, pois sua cultura desgasta muito o solo, demanda grande quantidade de água e faz o uso de pesticidas. Estima-se que sua produção mundial gire em torno de 25 milhões de toneladas, anualmente.
Fibras têxteis são elementos finos como um fio, caracterizados pela sua flexibilidade, finura e dimensão em relação ao seu diâmetro, sendo aptas para aplicações têxteis. Elas podem ser divididas em naturais, regeneradas e sintéticas. “As fibras regeneradas e sintéticas você produz do tamanho e com as características que você quiser”, explica Júlia. “Ao passo que, as fibras naturais, você tem que lidar com características intrínsecas, como o cultivo, a colheita e a espécie vegetal”.
A professora também coordena o grupo de pesquisa “fibras têxteis vegetais nativas: prospecção, caracterização físico-quimíca, beneficiamento enzimático e propostas de aplicação”, que tem como objetivo comparar fibras descobertas com as já utilizadas comercialmente, e se houver semelhanças, pensar na possiblidade de aplicabilidade no mercado. “Muitas das espécies vegetais utilizadas no Brasil são utilizadas, via de regra, somente para fins medicinais”, ressalta Júlia. “E com o advento das fibras sintéticas, as fibras naturais acabaram sendo esquecidas”.
Exemplo: Lantana câmara, respectivamente, em seu formato natural, suas fibras e a visão microscópica longitudinal de sua fibra
As fibras naturais podem ser retiradas de vegetais, como o algodão e a casca do coco, e animais, como ovelhas, cabras e camelo. Elas são consideradas mais sustentáveis, por serem renováveis e, no final, 100% biodegradáveis. Com várias aplicações tecnológicas, por terem boa resistência mecânica, pouco peso e baixo custo. Socialmente responsáveis, por possuírem grande importância econômica para países em desenvolvimento e garantir a segurança alimentar de milhões de pequenos agricultores. E por fim, na moda, porque estão no centro do movimento por roupas sustentáveis.
Diante disso, a necessidade de reaproveitamento de fibras naturais, através do processo reciclável, atinge pontos positivos que vão desde sustentabilidade até conforto. O trabalho a princípio se realizará com pequenos volumes de retalhos, diferentemente do projeto da Prefeitura de São Paulo, que divulgou no início de maio, a construção de uma usina de reciclagem dos retalhos descartados na cidade, que propiciará a limpeza das ruas, diminuição dos riscos de enchentes, a facilidade de circulação de pedestres e o menor desperdício dos materiais descartados. “Reciclagem, como todo processo industrial, depende do volume de produção”, explica a pesquisadora. “Quanto maior o volume de produção, menores são os custos de operação. Então, a partir de determinados volumes, ele começa a apresentar vantagens econômicas”.
“Um potencial uso para resíduos sólidos que não servem para reciclagem, poderia ser queima para produção de energia”, continua Júlia. Usinas de incineração modernas, de tecnologia limpa já é realidade em alguns países desenvolvidos. As fibras sintéticas, por exemplo, são de difícil reciclagem, pois possuem grande quantidade de aditivos, como corantes. “Conseguimos transformar poliéster plástico em fibra têxtil, mas não o contrário”, explica a professora.
O Brasil é o maior reciclador de latas de alumínio do mundo, com reaproveitamento de 94,4% do alumínio consumido. Isso se dá, principalmente, graças à ação dos catadores e das cooperativas. Entretanto, na categoria das fibras têxteis, isso não ocorre. Pois os principais produtos levados em conta na reciclagem, que trazem algum tipo de retorno financeiro, é o papel comum, o papelão, vidros, plásticos, metais e alumínio.