Quando se pensa em modernismo brasileiro, a Semana da Arte Moderna de 1922 vem fatalmente à lembrança. Mas a professora Ana Maria Marcondes, que está ministrando o curso “O Outro Lado de Uma Mesma Geração Modernista” no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), conta que sempre ficou intrigada com o que aconteceu fora desse evento. “Eu me perguntava qual seria a imagem bipolar, a que estaria no outro polo do globo da geração modernista”, ela recorda.
Ana Maria passou a analisar essa outra imagem da geração modernista ao tomar contato com um outro evento acontecido em 1922: uma exposição de pinturas feita no Palácio das Indústrias de São Paulo, em setembro. Ela foi organizada por Waldemar Belisario Pellizzari, filho de imigrantes italianos e afilhado dos pais de Tarsila do Amaral.
Essa exposição envolveu artistas vinculados ao Liceu de Artes e Ofícios da cidade de São Paulo. Eles costumavam mostrar suas obras no Rio de Janeiro, na Exposição da Academia das Belas Artes de lá, um “centro legitimizador” de artistas nas palavras da professora Ana Maria. Contudo, expôr na capital fluminense tinha desvantagens: a distância entre Rio e São Paulo deixava a logística muito cara para os pintores paulistas. Além disso, o mercado consumidor carioca procurava quadros mais próximos da realidade dele, enquanto os paulistas, em sua maioria, traziam “motivos, temas e paisagens” ligados à sua cidade natal.
Diferente da Semana de Arte Moderna de 1922, que teve como patrocinadora a elite cafeeira, a exposição do Palácio das Indústrias de São Paulo reuniu, além dos já citados artistas vinculados ao Liceu de Artes e ofícios, o apoio dos imigrantes e de seus filhos, e da classe operária, em formação no período.
Ainda que ambos os movimentos tenham contextos diferentes, eles não são opostos. “Não estamos tratando de segmentos distantes, e sim de uma cidade que inspira a fazer arte custe o que custar. É impressionante como o espírito dessa época acaba se encontrando nesse fazer artístico, muito mais do que os nomes que os movimentos acabaram buscando”, expõe a professora. “O que não podemos esquecer é que 1922 era o ano do centenário da independência do Brasil e que as duas exposições representavam o acontecimento de libertação,”, ela explica. “Oswald de Andrade vai dizer: ‘a gente já teve a libertação política, queremos a libertação cultural’. O dia de abertura da mostra do Palácio das Indústrias vai ser no dia sete de setembro, com um discurso de Menotti Del Pichia, que também fez o discurso da Semana de Arte Moderna. Todos respiravam um clima de comemoração da independência e procuravam formas de celebrá-la. Mas a cidade se expressa artisticamente de diferentes formas, não importando se nessa expressão tivesse ou não a bandeira da arte moderna”.
A professora Ana Maria Marcondes entrou em contato com o outro lado da moeda da geração de 1922 quando, em uma viagem a Ilhabela, cidade em que Waldemar Belisario Pellizzari viveu, viu um quadro do pintor na parede da mãe de um amigo. Essa mulher, folclorista, disse que o artista tinha exposto na Semana de Arte Moderna. Ana Maria, que já estudava o modernismo no acervo do IEB, disse que isso não era verdade. Entretanto, quando começou a pesquisar sobre a vida do filho de imigrantes italianos, descobriu a sua importância no contexto cultural do período entre o final da década de 1910 e a década de 1920.
O curso que está sendo oferecido tem como coordenador o professor Marcos Moraes, que diz sobre ele: "Vejo, com interesse, que o curso contempla a sua [de Ana Maria Marcondes] importante pesquisa sobre Waldemar Belisário, assim como uma discussão sobre a 1ª Exposição de Belas Artes, assuntos poucos discutidos pela historiografia e que têm enorme interesse. Esses temas ajudam a ampliar o debate sobre o campo artístico brasileiro na década de 1920."