Inspirada pela vontade de conhecer a Amazônia e pela afinidade com a parasitologia, a bióloga Amanda Begosso Gozze escolheu a epidemiologia da malária em um assentamento rural na Amazônia como tema de sua dissertação de mestrado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP). Sob a orientação do professor Marcelo Urbano Ferreira, Amanda analisou a frequência de pessoas com malária e de pessoas infectadas pelo parasito que não desenvolviam os sintomas, além de fatores associados aos casos de infecção com e sem sintomas.
A malária é, portanto, uma doença infecciosa causada por protozoários (seres unicelulares e eucariontes) do gênero Plasmodium transmitidos através da picada do mosquito fêmea do gênero Anopheles e que tem como sintoma principal quadros de febre aguda. No Brasil, a Amazônia concentra quase a totalidade das infecções, com mais de 300 mil casos anuais. Ainda assim, em comparação com outras regiões do mundo, como a África subsaariana, possui baixos níveis de transmissão, sendo considerada hipoendêmica.
O estudo foi realizado no assentamento agrícola Remansinho, localizado no extremo sul do Estado do Amazonas. Durante um ano, quatro coletas foram realizadas. Inicialmente, todas as pessoas foram convidadas a fornecer uma amostra de sangue para a realização de exame microscópico convencional (exame da gota espessa) e diagnóstico molecular de malária (PCR em tempo real). Essas pessoas também foram questionadas quanto à presença e intensidade de sintomas. Segundo a pesquisadora, após as análises, percebeu-se que os resultados obtidos através do exame molecular detectavam cerca de três vezes mais infecções do que o exame microscópico, isso porque, como afirma Amanda, “o PCR [exame molecular] é muito mais sensível que o exame microscópico”.
Outro achado foi o fato de que dois terços das infecções diagnosticadas (independente do método usado) eram assintomáticas, ou seja, a pessoa estava infectada, mas não possuía os sintomas e, na maioria das vezes, conservava baixa quantidade de parasitas no sangue. Como relata a pesquisadora, “elas não se sentem doentes, não tem febre, que é o sintoma mais comum da malária. Às vezes têm dor de cabeça, mas a dor de cabeça é um sintoma tão inespecífico, que serve para tantas doenças, que acaba passando despercebido”. Ainda não se sabe ao certo o porquê de algumas pessoas desenvolverem os sintomas e outras não, mas um sistema imunológico mais forte e uma quantidade menor de parasitas inoculados pelo Anopheles na hora da picada são uma hipótese para o baixo número de protozoários encontrados no sangue desses indivíduos.
Esse grande número de infectados sem sintomas dificulta o combate à doença, pois o controle epidemiológico da moléstia prioriza o tratamento dos indivíduos doentes. Contudo, se a pessoa não tem indícios de que está infectada, ela não procura tratamento e continua perpetuando a patologia, como explica Amanda: “essas pessoas assintomáticas contribuem para a manutenção da transmissão. Mesmo em épocas de baixa transmissão de malária ainda temos casos assintomáticos, então, aparentemente, quem mantém a transmissão, nessas épocas, são esses casos”. Segundo a pesquisadora, outra dificuldade para a contenção da doença são as grandes distâncias entre os postos de saúde e as comunidades nas áreas de maior incidência da patologia.
Além disso, o estudo também identificou que a idade é um fator de risco para a malária na região. Indivíduos com mais de 15 anos são mais propensos a serem infectados. Isso devido ao fato de que as pessoas dessas comunidades rurais começam a trabalhar por volta desta idade, principalmente na agricultura e em atividades extrativistas. Sendo assim, o contato com a floresta e, consequentemente, com o mosquito vetor aumenta o que desencadeia uma elevação no número de casos registrados em indivíduos nesta faixa etária.
Ao contrário da idade, o tempo de moradia em regiões com alta incidência de malária é um elemento de proteção, visto que, com mais tempo de exposição à doença, o indivíduo começa a desenvolver imunidade à moléstia. Dessa forma, pessoas com essa característica têm menores taxas de infecção e doença (quando demonstra sintomas).
O que se percebe é que a frequência de malária é influenciada por diversos fatores não só ecológicos e biológicos, como também sócio-econômicos e todos incidem na eficácia das medidas de controle e prevenção adotadas. Portanto, é necessário levar em consideração esses aspectos, em programas de combate à doença, para que os resultados dessas medidas possam ser positivos, diminuindo o número de casos e também a morbidade decorrente dessa parasitose.