ISSN 2359-5191

11/07/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 54 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Sustentabilidade se torna exigência do mercado de commodities
Professor analisa os critérios para que matérias-primas consigam uma maior recepção na comunidade econômica internacional
Imagem: www.telegraph.co.uk

Commodities são produtos primários cotados na bolsa de valores. Elas são, hoje, o carro-chefe das exportações do Brasil. É por meio delas que o país alcançou uma posição destacada no cenário econômico global. Porém, em um mundo que preza pelo valor agregado até mesmo nos aparentemente mais simples produtos, os commodities também ganharam sofisticação. Um dos aspectos desse refinamento é a sustentabilidade, que pode facilitar a entrada de um produto primário nos mercados internacionais. É exatamente esse componente que o professor João Paulo Cândia Veiga estuda, em sua tese Standards de sustentabilidade: entre o mercado e a política.

O estudo conta, agora, com um trabalho sobre cinco cadeias de commodities: soja, algodão, carne bovina, óleo de palma e etanol. Os estudos de caso estão sendo publicados em artigos separados, além de um projeto em andamento para organizar um livro com um professor da Universidade de Columbia sobre a governança e a regulação privada com outros casos de commodities.

Desindustrialização

Porém, ao pensar em matéria-prima como principal produto da carteira de exportações, o receio que o país esqueça de tecnologias supostamente mais avançadas toma conta: um fenômeno que se chama desindustrialização. Para João Paulo, isso não é o que acontece, porque ser uma matéria-prima não quer dizer ser um bem desprovido de aprimoramentos. “Em boa parte dos casos, há muito valor agregado no produto exportado, tanto valor tangível quanto intangível”. Como exemplos tangíveis, o professor cita que boa parte das exportações de commodities incorpora o refino de óleo e o corte e embalagem diferenciados. Os intangíveis se classificam como atributos ligados a valores que a sociedade hoje paga por, como a proteção ambiental e a proibição ao trabalho escravo e infantil.

Certificados e fiscalização

Os requisitos para a entrada desses produtos primários nos países se dá no plano de regulamentação ou é algo mais ideológico? Para João Paulo, vemos os dois casos. Há regulamentações que exigem um padrão mínimo, como acontece com a Europa. “Há diretivas para o etanol, por exemplo, que exigem um certificado para a origem da cana, que passa pela proibição do desmatamento de florestas até o manuseio no uso do solo”. Para o café, o caso é outro. “É o consumidor que demanda um produto de qualidade, com certificação de origem, e com atributos de boas práticas ambientais e sociais”.

Os critérios mais utilizados, segundo a pesquisa, dizem respeito a padrões sociais e trabalhistas. Em geral, são aqueles definidos pela (OIT) como Core labor standards (Padrões trabalhistas centrais). Na agricultura brasileira, são muito utilizados os critérios da NR31, que regulamenta o trabalho no campo. Quando se fala critérios ambientais, utilizam-se aqueles que preservam a biodiversidade da fauna e da flora, proíbem o desmatamento e atendem ao código florestal, seguem o licenciamento ambiental, as práticas de uso da água, de manuseio do solo e de uso de defensivos agrícolas que variam entre regulação doméstica e internacional.

Segundo João Paulo, as certificações mais conhecidas são o FSC para a madeira, o Rainforest Alliance para commodities em geral e o Fair Trade para o comércio justo. “Estamos vivendo um momento de explosão de selos e certificados variados, que precisam de discussão porque boa parte deles não carrega os elementos mínimos para serem legítimos e efetivos, o que gera confusão junto ao consumidor final.

Estabelecer um método de fiscalização é um dos grandes desafios para todas as cadeias de commodities. De acordo com o professor, onde existir o critério da rastreabilidade e uma instituição que monitore e certifique o produto final, as chances de garantir a sustentabilidade são maiores. Um dos principais gargalos é o da carne bovina, porque é muito difícil atestar a origem do gado que é vendido para o frigorífico. Isso começa a mudar desde o ano passado, por conta da pressão do Ministério Público sobre os supermercados que, por sua vez, tentam disciplinar os seus fornecedores. Mesmo assim, ainda há muito a ser feito, porque os grandes frigoríficos, como JBS e Marfrig, representam só uma parte de toda a carne bovina comercializada. “Em cadeias organizadas a partir de complexos sistemas de logística, onde o mercado de consumo é muito distante da produção, é mais caro e difícil prover governança para disciplinar os produtores. Nas cadeias onde a produção fica mais perto do mercado consumidor, esses custos são menores, ficando mais fácil garantir a performance do fornecedor”.

Na visão dos empresários

Questionado sobre o trade-off existente entre políticas sustentáveis e o custo que isso agrega ao produto final, o pesquisador endossa tal concepção. “Sim, no café, no óleo de palma, na soja, sempre há um plus para recompensar a elevação dos custos que os produtores passam a ter com práticas mais sustentáveis”. Mas nem tudo são flores. “O problema é que existem situações onde os custos de adaptação são tão elevados que o plus não remunera. Isso acontece em países em desenvolvimento, por razões de logística, custo de treinamento de mão-de-obra, dificuldade de acesso a um recurso natural necessário, entre outros fatores”. No saldo, João Paulo avalia que as políticas sustentáveis e os lucros devem andar juntos. Ele cita casos de sucesso em que os produtores e processadores ganham dinheiro com práticas sustentáveis, como a cadeia do café e a do óleo de palma.

Porém, como os produtos sustentáveis podem competir com aqueles que prezam somente pelo baixo custo? “Quando os incentivos de mercado para a sustentabilidade existem, os consumidores comportam-se de maneira mais exigente e ‘forçam’ uma elevação dos padrões, o que significa que o que a baixo custo sem práticas sustentáveis terá um estímulo para melhorá-las”. A entrada de produtos sustentáveis, segundo o pesquisador, promove uma mudança no comportamento de quem produz a baixo custo, mas, infelizmente, nem todos os mercados de commodities oferecem esses incentivos. Em um país que cada vez mais prima pelas matérias-primas como produto majoritário e adota o (inclusive criticado) protecionismo como política econômica, essa realidade de incentivo talvez seja mantida.

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