ISSN 2359-5191

11/07/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 54 - Economia e Política - Instituto de Relações Internacionais
Projeto internacional ressalta distância entre Itamaraty e público
“Brasil, as Américas e o Mundo sob diferentes visões” estuda opiniões de especialistas e da população sobre temas centrais da política externa e das relações internacionais do país
Foto: www.panoramio.com/photo/47433017

O Itamaraty é uma construção imponente, cercada por um lago. Tais águas dividem o prédio do resto do mundo. Apenas uma rampa simbólica os liga. Esse é o sentimento que muitos dos brasileiros possuem também em relação às suas atividades, se é que sabem exatamente o que o órgão faz. A percepção das lideranças das relações internacionais e do público em geral sobre a política externa brasileira e a política internacional são bem diferentes. É esse aspecto que o projeto Brasil, as Américas e o Mundo – política externa e opinião pública, coordenado pela professora María Hermínia Tavares de Almeida, do Instituto de Relações Internacionais da USP, teve por meta estudar. A pesquisa parte de uma parceria acadêmica internacional que inclui equipes de pesquisa de vários países da América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru.

Em todos os países, aplicou-se um questionário comum com 13 áreas temáticas: Interesse por temas internacionais; Contato com o exterior; Identidade; Cultura Política; Política Externa e Desempenho Governamental; Segurança; Economia Internacional; Migração; Regras e Organizações Internacionais; América Latina, Estados Unidos e Outras Regiões e Países do Mundo. Além do núcleo de perguntas compartilhado, as equipes nacionais puderam acrescentar perguntas específicas para cada país.

Antes e depois

“Um insulamento burocrático”. Assim que se definiu, por muitas décadas, a atuação do Ministério de Relações Exteriores. Um órgão pouco conhecido da sociedade, mas que formula e executa a política externa brasileira, com algum protagonismo da Presidência da República, a depender da situação. Nessas condições, a opinião de lideranças partidárias e do público eram irrelevantes para sustentar a ação externa do país.

Essa é uma situação que vêm mudando. “Apesar do Ministério das Relações Exteriores continuar ocupando posição central no comando da política externa do Brasil, não se pode pensar mais em um caso bem-sucedido de insulamento burocrático, com uma suposta indiferença das lideranças e da população”, segundo os autores da pesquisa. Sua condição de política estatal depende não só mais da capacidade e da disciplina de uma elite burocrática treinada para pensar o país e o mundo, mas também do consenso sobre o mundo e do lugar do país nele por parte de uma comunidade mais envolvida na discussão política.

Assim, indagar o que pensam os membros da comunidade de política externa e brasileiros interessados nos assuntos internacionais torna-se relevante para entender as bases que sustentam a política externa, seu núcleo de visões compartilhadas (e até que ponto elas permanecem homogêneas). Por outro lado, estudar a opinião do público em geral permite verificar o grau em que as opiniões dos mais especializados conseguiram se difundir amplamente.

Dois lados


O estudo partiu do suposto de que são bem distintas as relações da comunidade de política externa e do público com a política exterior. “O papel da primeira é ativo, na medida em que contribui à definição de ideias e percepções que delimitam as opções de política exterior aceitáveis. Assim, conhecer suas opiniões predominantes, os pontos de convergência e de dissenso permite mapear o campo de ideias, atitudes e valores no interior do qual se constroem as alternativas possíveis e legítimas de ação externa”, diz o estudo.  


Já a posição do público é, em boa medida, resultado do enraizamento das percepções geradas no interior da comunidade de política externa. Para a pesquisa, “trata-se de uma opinião, em certo sentido, produzida de maneira exógena. Estudá-la nos permite dizer algo sobre o grau de consenso social obtido pela política externa, em razão do enraizamento de percepções geradas no âmbito da comunidade de política externa”. Dentro da definição genérica de “público”, por vezes foram estabelecidas duas categorias de análise: o público interessado e informado (PII) e o público desinteressado e desinformado (PDD).

Resultados

Com base na pesquisa empírica relizada, o projeto pôde traçar um perfil sobre o que pensam os brasileiros sobre os diversos assuntos de política externa. Os membros da comunidade de política externa avaliam muito positivamente o desempenho do país internacionalmente. Quase 85% dos entrevistados consideram que o país conseguiu firmar uma imagem de independência frente ao mundo. Em geral, a comunidade de política externa é mais otimista do que o público quanto às consequências da globalização.


Gráfico de

Economicamente falando, os dois grupos tendem a encarar positivamente os efeitos da abertura comercial sobre a economia, a agricultura, as empresas nacionais, os trabalhadores, as pessoas em situação semelhante a dos entrevistados, mas muito especialmente sobre a economia dos países desenvolvidos. Entretanto, nos dois grupos seus efeitos sobre o meio ambiente são vistos com mais reservas, apesar da elite ser mais reticente quanto a isso. Os brasileiros parecem ter uma atitude relativamente aberta às ideias vindas do exterior. Quase 90% dos membros da comunidade de política externa consideram positiva a circulação de ideias e costumes de outros países. A comunidade de política externa e o público têm, entretanto, visões radicalmente distintas sobre a participação de estrangeiros na vida política do país.

Em torno de 60% dos membros da comunidade de política externa e o público interessado e informado avaliam positivamente a última década. Os primeiros são também significativamente mais otimistas com relação ao futuro. Essa percepção compartilhada contrasta com as opiniões bem menos otimistas do contingente do público que não tem interesse nem informação sobre os assuntos internacionais. É possível que essa opinião, diferentemente das tendências da economia, tenha relação com uma visão muito positiva do papel do Brasil no campo internacional. A comunidade de política externa e a parcela informada e interessada do público de massas possuem visões convergentes com relação às realizações internacionais do Brasil, bem como compartilham uma atitude marcadamente favorável ao envolvimento brasileiro na política internacional. Discrepam apenas na intensidade dessas percepções. A comunidade de política externa é mais otimista quanto ao futuro e mais favorável ao engajamento internacional ativo do país.

Dessa forma, a população brasileira apresenta vários pontos de contatos e algumas dissonâncias. A parcela mais informada da população apresenta um certo otimismo que não é muito visto no público que possui meios mais reduzidos de acompanhar o noticiário. Isso denota um desafio para a diplomacia brasileira: fazer com que o sentimento otimista sobre as ações internacionais passe para uma população que as vê como intangíveis, diante de uma situação econômica mais próxima que desnorteia os cidadãos. Para isso, cada vez mais a ponte do Itamaraty tenta ser menos simbólica.

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