São Paulo (AUN - USP) - Nos últimos anos, os Estados Unidos da América têm mantido um bom relacionamento com o Brasil. Entre os ex-presidentes Bill Clinton (1993-2000) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a relação era excelente, basicamente pelo respeito mútuo. Com as mudanças nos dois governos, os laços de Washington e Brasília continuaram muito fortes. Para surpresa de alguns, existe uma grande empatia entre George W.Bush e Luis Inácio Lula da Silva, personalidades políticas tão distintas.
É o que conta o ex-embaixador brasileiro nos EUA, Rubens Barbosa, que representou o Brasil em Washington entre junho de 1999 e março de 2004. Ele participou da conferência "As Relações Brasil—EUA depois das Eleições Americanas", no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP), no último dia 30.
“Bush não gostava de FHC, porque este o olhava de cima para baixo”. Com Lula, Bush encara de frente o presidente brasileiro, que é uma pessoa simples como o texano que comanda a maior potência do planeta. Segundo o embaixador, o grande desafio intelectual do chefe de Estado norte-americano é conviver com uma pessoa tão contrária a ele como Lula.
Para além da cooperação entre os atuais líderes, as relações político-diplomáticas entre Brasil e EUA são muito positivas em alguns momentos, foram excelentes em outros, com pequenos pontos de tensão. Do ponto de vista diplomático, nunca as relações entre os dois países foram tão boas quanto nos últimos cinco anos, com os interesses brasileiros e norte-americanos convergindo.
Para o diplomata, as maiores divergências entre as duas nações são de âmbito político. Mesmo assim, prevalece o respeito dos EUA ao Brasil, considerado um grande parceiro por Washington. “A posição brasileira em relação a Cuba e Venezuela nunca foi contestada”, diz Barbosa. Igualmente, o Itamaraty tenta minimizar os atritos com a Casa Branca, até porque isso poderia desencadear no unilateralismo de grupos linha-dura da política norte-americana.
Com a política externa focada na segurança (combate ao terrorismo), os EUA deixaram a América Latina em segundo plano. Estável, a região não oferece perigo aos interesses estratégicos do país. “Aproveitando este vácuo, o Brasil ganhou mais liberdade de ação no continente, tornando-se uma nação mais ativa”. Rubens Barbosa destaca que a participação brasileira foi fundamental na resolução das crises na Venezuela, Bolívia e Haiti. A atitude do Itamaraty nestas situações críticas foi elogiada pelos EUA. “Os interesses do Brasil, na defesa da estabilidade e segurança da região, coincidem com os norte-americanos”.
Já no comércio, onde os dois países mais negociam, o embaixador alerta para o perigo de que inflexões comerciais descambem para o campo político, como eram comuns no passado. “É fundamental não politizar as questões comerciais”.
Isso não impediria o Brasil de fazer críticas – desde que não sejam ideológicas – ao protecionismo, aos subsídios, a propriedade intelectual, temas comerciais que fazem parte das negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a qual o Brasil tem suas principais diferenças com os norte-americanos. Segundo Rubens Barbosa, ela não é prioritária para a Casa Branca, mas sim para a burocracia do USTR, sigla do Departamento de Comércio norte-americano.
No campo comercial, os EUA reconhecem o Brasil como um ator de prestígio no cenário internacional. “O Brasil tem uma participação positiva na OMC e criou o G-20 [grupo de países que luta contra o protecionismo agrícola dos países desenvolvidos]”.
Embora tendo toda uma afinidade, o relacionamento dos dois países peca pela falta de informação entre ambos os lados. Rubens Barbosa conta que nos EUA há uma percepção de que “o grau de imprevisibilidade do Brasil é muito grande”, diferentemente de nações do mesmo porte, como Rússia, Índia e China. Os norte-americanos não entendem as posições do país em relações a alguns temas.
“A atitude brasileira pode gerar situações complicadas”. Caso ilustrativo, foi a pressão internacional sobre o Brasil, para que a usina de enriquecimento de urânio de Resende, no Rio de Janeiro, fosse inspecionada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Um problema que tomou dimensões maiores do que deveria ser, e que podia levar a uma crise desnecessária. “A reação brasileira poderia gerar uma outra desproporcional dos EUA”, comenta Barbosa.
Segundo o diplomata, após as eleições para a Casa Branca, que deram um novo mandato ao presidente Bush, as relações devem se manter positivas e focadas na área comercial. Mas os benefícios que podem ser retirados destas “dependerão mais do Brasil, pois da parte deles nunca virá”.