São Paulo (AUN - USP) - Primeiro, vem a dificuldade de manter os braços erguidos para desempenhar tarefas simples, como pentear o cabelo ou guardar um objeto numa prateleira alta. A impossibilidade de assobiar ou sorrir muitas vezes acompanha os primeiros indícios de fraqueza muscular. Aos poucos, músculos dos ombros, braços e face vão perdendo sua força. A doença responsável por esses sintomas, a distrofia fácio-escápulo-umeral, é uma das formas mais leves de distrofia e também uma das mais misteriosas. Até hoje, o gene responsável pela perda progressiva dos movimentos não foi identificado. No intuito de melhorar o diagnóstico da doença, conhecida como FSH, e investigar as inúmeras dúvidas que a cercam, a pesquisadora Maria Manuela de Oliveira Tonini realizou um estudo através do Instituto de Biociências (IB-USP) com pacientes do Centro de Estudos do Genoma Humano suspeitos de serem afetados pela doença.
Em sua pesquisa, orientada por Mayana Zatz do IB-USP, Tonini observou desde portadores assintomáticos da FSH até pacientes gravemente afetados. Além deles, o estudo incluiu também suas famílias, fator importante para a realização posterior do aconselhamento genético. Para identificá-los, é realizado o diagnóstico molecular: uma técnica especial, que permite identificar um fragmento de DNA de uma região específica do cromossomo 4, que aparece diminuído em pacientes de FSH quando comparado ao de indivíduos normais. Esse fragmento menor é a confirmação para a FSH, doença de herança autossômica dominante (basta possuir um alelo mutado para ter potencial de desenvolver a doença).
O diferencial da distrofia tipo FSH é que muitos indivíduos apresentam a mutação, mas não desenvolvem os sintomas de fraqueza muscular, ou seja, são assintomáticos. O Centro de Estudos do Genoma Humano do IB-USP, coordenado por Mayana Zatz, é o maior centro de referência do país para doenças neuromusculares e realiza o diagnóstico para FSH.
Até então, esse foi o primeiro estudo sobre a incidência da doença no Brasil. No total foram analisados 587 indivíduos de 141 famílias com suspeita de FSH. O diagnóstico molecular detectou a doença em 100 dessas famílias, mostrando sua utilidade para a confirmação do diagnóstico clínico. Tonini revela que para os pacientes, é um alívio a certeza sobre portarem ou não a FSH. “A dúvida sobre o diagnóstico acaba angustiando os pacientes com suspeita da doença e o estudo molecular do DNA possibilita maior eficácia na confirmação da FSH”, explica.
Outro fator importante observado em sua pesquisa é que 20% dos familiares portadores do fragmento menor da banda de DNA são assintomáticos. Dentre eles, a pesquisa revelou a existência de um número maior de mulheres do que homens. E eles são, em geral, mais gravemente afetados do que as mulheres. Segundo Tonini, essa tendência deve ser levada em conta na hora de se fazer o aconselhamento genético das famílias. Houve também a confirmação para uma tendência que era observada em outras pesquisas sobre FSH: em geral, quanto menor o fragmento de DNA do paciente afetado, mais grave são os sintomas clínicos de fraqueza muscular. Entretanto, ainda há muitas exceções, que impedem os pesquisadores de correlacionar o tamanho do fragmento à evolução da doença.
Casos misteriosos
Da amostra observada, surgiram alguns dados curiosos. Não há registro no Brasil de pacientes de ascendência oriental portadores da FSH, embora países como Coréia, China e Japão desenvolvam pesquisas sobre a doença por possuírem pacientes afetados. A mesma tendência foi apresentada para pessoas de ascendência africana, mas ao contrário, ela pode ocorrer justamente pela grande miscigenação existente.
O caso mais importante descoberto foi o de um indivíduo homozigoto para a doença, ou seja, ao invés de possuir apenas um alelo mutado (o que já garante o potencial de desenvolver a doença), o paciente tem dois deles. É o primeiro caso assim descrito em toda a literatura médica.
Outros casos que chamaram a atenção foram os de duas famílias que apresentaram membros afetados por duas formas diferentes de distrofia. Em uma amostra com cerca de 100 famílias, essa incidência mostrou-se relevante. De acordo com a pesquisadora, essa observação só foi possível porque um grande número de indivíduos da genealogia foi testado. “Isso sugere que existe um outro mecanismo, ainda desconhecido, que pode tornar algumas famílias mais suscetíveis à distrofia”, completa Tonini.
A pesquisa da distrofia fácio-escápulo-umeral, de acordo com Tonini, é muito importante para o entendimento da doença mundialmente. “Ninguém sabe ainda ao certo o mecanismo da doença, nem o gene responsável por ela. Vários grupos no mundo inteiro desenvolvem suas pesquisas, para que se possa montar um grande quebra-cabeça que explique a FSH”, conclui.