São Paulo (AUN - USP) - Divulgado na semana passada um relatório contendo 101 propostas para a reformulação da Organização das Nações Unidas. Entre elas, está a reforma do seu Conselho de Segurança, que seria ampliado, mas sem extensão de veto aos novos membros permanentes. “As propostas discutidas não vão exatamente ao encontro daquilo que o Brasil gostaria, já que elas não darão poder de veto aos novos ingressantes”. É o que diz o professor de Direito Internacional da FDUSP, Umberto Celli Júnior. Para ele, a reforma da ONU é fundamental e deve incluir também mudanças na Carta da instituição, assinada em São Francisco (EUA), em 1945.
Após o 11 de setembro, ficou evidente o desgaste da ONU perante a comunidade internacional, imagem arranhada desde o colapso da ex-União Soviética. Em meio a esta crise, o secretário-geral da ONU, o ganês Kofi Annan, pediu este estudo, com sugestões de vários especialistas internacionais sobre uma reforma na entidade.
O Brasil é um dos candidatos a um assento permanente no CS. O tema sempre fez parte da agenda de política externa do país, que nunca ocultou seu interesse por uma dessas cobiçadas vagas. Aliás, a reivindicação brasileira remonta desde a fundação das Nações Unidas, que foi criada para se evitar uma nova guerra mundial e para zelar pela paz e segurança internacionais.
Na época das primeiras discussões, o Brasil obteve apoio do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), mas o Reino Unido vetou a o privilégio aos brasileiros. Se o Brasil vier a ser aceito, será uma grande conquista. “Mudará seu patamar e seu papel no cenário internacional, além de ser reconhecido política e estrategicamente”, diz o professor.
Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança são Estados Unidos, Rússia (ex-URSS), França, Reino Unido e China (que entrou no lugar de Taiwan no início dos anos 1970). Segundo Umberto Celli Júnior, o CS não reflete a correlação de forças internacionais da atualidade. O professor defende a inclusão de Alemanha e Japão, por serem potências econômicas globais, e Brasil e Índia, pela importância geopolítica, regional e estratégica que representam. Celli Júnior também cita a África do Sul como outro país que poderia ser incluído em um novo formato do CS. “Os países que ocuparem as novas vagas serão reconhecidos e ganharão respeito político”.
Mas o professor acha injusta uma mudança que não dê direito de veto aos novos membros permanentes. Segundo ele, o CS permaneceria pouco representativo. “Isso não seria correto. Nós continuaríamos em um sistema pouco democrático, com o veto para cinco países”. Uma das propostas que o professor levanta é de se fazer uso do veto apenas em momentos críticos. Outra das 101 sugestões pede que o veto só seja validado com o voto de pelo menos dois países que tenha esse direito.
Ainda assim, uma ampliação do CS, com países sem direito a vetar resoluções, não pode ser menosprezada, segundo o professor. Para ele, a questão do veto é desgastante, pois gera grandes atritos entre parceiros, caso da França e dos EUA. Durante a Guerra Fria, a situação era pior, já que EUA e URSS faziam uso incessante de seu poder, levando a ONU a uma grande inércia, que foi alvo de muitas críticas. Umberto Celli Júnior acredita que com a entrada de novos membros permanentes, mesmo sem direito ao veto, haverá uma composição mais equilibrada nas discussões. “Ao menos, os novos países-membro participarão das decisões e darão opiniões. Isso faz diferença”, ressalta.
Carta da ONU
Além da reforma do CS, outra mudança indispensável é da Carta de São Francisco. “A Carta, que é uma espécie de constituição internacional, está defasada. Ela não está afinada com a realidade atual”. O professor cita como exemplo o artigo 51, que trata da legítima defesa, em caso de ataque contra um Estado membro da ONU. “É preciso reformular este item, estabelecer limites para ‘guerra preventiva’, que os EUA se utilizam e justificam, e incluir a questão do terrorismo na Carta”. Para Celli Júnior, não há como negar a ilegalidade da Guerra contra o Iraque, de 2003, mas é preciso contemplar novos elementos na geopolítica mundial, como a ameaça de agrupamentos terroristas.
Entretanto, não bastam mudanças no Conselho de Segurança e na Carta da entidade. O professor crê que é imprescindível o comprometimento das nações, em especial das potências, no respeito das normas internacionais, atentando para que futuras decisões dos países não se choquem com a Carta. “A reforma não é tudo, mas as potências precisam estar dispostas a acatar decisões. Mas isso dependerá da vontade política dos países”.
Embora desde a década de 90 manifestações contra as violações ao direito internacional tenham aumentado em todo o mundo, Umberto Celli Júnior diz que não há como impedir o desrespeito às convenções internacionais. Não há como punir nem frear os países que desrespeitam o direito internacional. “Que tipo de punição teríamos contra os EUA? Um embargo? Isso é impensável”.
Para o professor, ainda que não seja efetivamente decisiva para evitar a arbitrariedade, a contínua pressão da comunidade internacional mostra-se essencial na atualidade. Também é preciso uma reforma nas Nações Unidas que amplie seu CS para que diminuam as chances de atitudes unilaterais. Ao mesmo tempo, os países devem ter disposição política, já que não há como criar mecanismos que assegurem uma punição aos violadores do direito internacional.
Entretanto, uma reforma nas Nações Unidas não será nada fácil. Para passar será necessária a aprovação de 2/3 da Assembléia Geral, composta por 191 países, e dos cinco membros permanentes do CS.