Adolescentes vítimas de maus tratos tendem a apresentar um quadro negativo de desenvolvimento de QI e das funções neuropsicológicas. É o que aponta uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina (FM) da USP. Entre os tipos de maus tratos estudados estão abusos físico, sexual e emocional e negligência física e emocional.
A proposta da tese de doutorado da psicóloga Paula Approbato de Oliveira partiu da observação de que o tratamento convencional dos adolescentes na recuperação dos traumas de maus tratos, voltados para a psicoterapia, não surtiam efeito em casos mais graves. “Verificamos também que não existiam estudos na área de neuropsicologia para esses casos, e que essa área médica tinha potencial de contribuição para nossa proposta de tratamento”, afirma. A neuropsicologia avalia funções cerebrais, como atenção, memória, funcionamento executivo, todos envolvidos tanto com a questão de aprendizagem, quanto o comportamento social.
Durante os estudos, foram selecionados três grupos de adolescentes, separados de acordo com os resultados obtidos em uma avaliação prévia. “Fizemos entrevistas com os adolescentes buscando estabelecer uma escala de frequência e gravidade de maus tratos”, ressalta Paula.
Entre os três grupos formados, o primeiro deles, com 54 membros, incluía ou adolescentes que não haviam sofrido qualquer evento de maus tratos, ou aqueles que o sofreram em baixa intensidade. O segundo grupo reuniu 35 indivíduos que haviam sofrido maus tratos em uma escala de baixa a moderada gravidade. Dezenove adolescentes que foram submetidos a situações mais graves compunham o terceiro grupo. “Uma vez divididos os participantes, fizemos uma nova avaliação psicológica, agora voltada para o exame de unidades funcionais, como funções cognitivas ligadas à vigilância e atenção, armazenamento e processamento de informações e regulação de comportamentos, além de uma avaliação psiquiátrica”.
A partir dos resultados obtidos nessas avaliações, a pesquisadora constatou que, a medida que aumenta a gravidade dos casos de maus tratos, o QI dos adolescentes seguia uma tendência de diminuição. “Essa observação foi a mais significativa pois o QI influenciou todas as outras funções cognitivas. Adolescentes que tinham QI menor, iam pior em todos os demais testes”.
Outro resultado importante mostrou que grupos com maior intensidade de maus tratos apresentaram piora no funcionamento neuropsicológico, na memória e aprendizagem, no quadro de impulsividade e no quadro de oposição. O último estaria ligado aos adolescentes que não conseguem tolerar a frustração.
Casos negligenciados
Dos depoimentos coletados nas avaliações, foi possível observar que os adolescentes não tinham em mente um modelo de relações familiares bem estabelecido. Segundo Paula, as crianças não tinham base par julgar de forma correta a gravidade dos atos que elas sofreram. “Muitos deles acusavam a família de praticar ações muito graves, mas ainda assim consideravam-na harmoniosa”.
Para a pesquisadora, a pesquisa busca auxiliar a estabelecer novas políticas públicas que visam melhorar o panorama atual de maus tratos e suas consequências. “Precisamos dar uma atenção especial a esse grupo, pois seus membros apresentam déficits importantes nas funções neuropsicológicas, que se relacionam tanto com aprendizagem quanto com a adaptação social. Se isso não é bem explorado, o adolescente vai desenvolver uma série de consequências negativas”. Nesse sentido, Paula acredita que a neuropsicologia faria uma proposta de estímulo cognitivo nos menores, auxiliando-os na recuperação e no desenvolvimento social.