A dissertação de mestrado da Escola de Enfermagem (EE) da USP “A experiência materna em uma sala de hemodiálise infantil” aponta para a importância da inclusão das mães no processo de tratamento hemodialítico de seus filhos. Segundo a pesquisa, interações de qualidade com a família e equipe fazem com que ocorra uma ressignificação do sentido da máquina de hemodiálise pela mãe e minimizam o estresse gerado nessa fase.
Em busca de compreender como as mães atribuem significado à experiência de acompanhar o filho durante o tratamento, Fernanda Mieto realizou o estudo na unidade de hemodiálise no Hospital Infantil Darcy Vargas, onde trabalhou como terapeuta ocupacional.
Três grupos foram entrevistados para análises. O critério de seleção aplicado para formar o primeiro grupo, composto por sete mães, foi a premissa de se ter um filho em tratamento hemodialítico. A partir dos dados obtidos e estudados, Fernanda percebeu que no início do tratamento as mulheres associavam a máquina de hemodiálise à iminência de morte da criança. O segundo grupo composto por duas mães com os filhos em estado inicial de tratamento confirmou essa percepção. “As mães acreditavam que o filho iria morrer na máquina. O medo do desconhecido e o impacto da hemodiálise eram tão fortes, tão intensos e tão geradores de sofrimento que, muitas vezes, elas negavam a necessidade de hemodiálise da criança”, diz Fernanda.
O desejo pelo transplante e a esperança de que ele acabe com o sofrimento da criança foram recorrentes nas entrevistas. Assim, um terceiro grupo composto por duas mães com os filhos na fila de espera por um novo rim, procurou analisar se, por estar o transplante próximo, a relação da mãe com a máquina de hemodiálise era diferente, o que não foi confirmado. “Estando na fila do transplante ou não, elas sempre estavam com medo e sob a sensação ambivalente do “pode dar certo, mas pode dar errado”.
A esse primeiro fenômeno observado nos três grupos, Fernanda chamou “Vendo a vida do filho sugada pela máquina”.
Novo significado
Sem determinar um tempo cronológico exato, a pesquisadora percebeu que após um período de tratamento, pessoal e subjetivo, a mãe apresenta estratégias para enfrentar a situação. A partir de interações sociais simbólicas, elas podem passar por um processo de ressignificação da máquina, que Fernanda aponta como sendo um segundo fenômeno e o qual dá o nome de “Dando um novo significado à máquina de hemodiálise”. A mãe, nessa fase, deixa gradualmente de entender o equipamento como uma ameaça e passa a ter a percepção de que ele é mantenedor da vida do filho.
Na ajuda dessa ressignificação, a pesquisa constatou que atua diretamente o acolhimento dado pela equipe de saúde. Além disso, há a ajuda de outras mães que criam uma rede de solidariedade e o apoio da família. De acordo com a pesquisadora, mães com pouco suporte familiar tem uma imensa dificuldade de olhar a máquina de uma outra maneira.
Uma vida aprisionada
A partir dos dois fenômenos apresentados, Fernanda chegou ao modelo teórico “Vendo a vida aprisionada por uma máquina”. Durante toda experiência, as mães entendem suas vidas presas ao equipamento, em que a restrição do cotidiano, o não desejo de lazer e as não convivências sociais estão presentes. “Mesmo dando um novo significado para máquina, a mãe ainda continua se sentindo aprisionada por ela”, afirma Fernanda.
De acordo com a pesquisadora, o modelo teórico possibilita a preparação dos profissionais da saúde não só no aspecto clínico, mas em relação às dimensões humanas do sofrimento. “Saber que a relação com a máquina é conflituosa e traumática é importante para construção de intervenções assertivas no sentido de minimizar o estresse que a mãe vive ao ver sua vida aprisionada pelo equipamento.“
Os resultados sensibilizam a equipe a intervir em questões importantes no tratamento e a estimular interações de qualidade na unidade de hemodiálise infantil. Fernanda afirma ser importante que os profissionais da saúde esclareçam o funcionamento da máquina para a mãe e que a tratem como parceira no processo de cuidado. Desse modo, ela terá maior aderência ao tratamento e estará menos suscetível a transtornos emocionais. “Se houver profissionais da saúde que compreendam essa vivência e sejam sensíveis, o sofrimento pode ser minimizado até no primeiro momento da experiência com a máquina.”