ISSN 2359-5191

25/09/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 70 - Sociedade - Faculdade de Direito
Pesquisa propõe mudança de nome e sexo de transexual no registro civil

Em sua tese de doutorado, A transexualidade sob a ótica dos direitos humanos: uma perspectiva de inclusão, apresentada à Faculdade de Direito da USP, a juíza de direito Camila de Jesus Mello Gonçalves defende a busca de soluções jurídicas para o conflito de identidade de gênero apresentado pelos transexuais. No Brasil, a falta de legislação específica regulamentadora da transexualidade contribui para a invisibilidade dessas pessoas. Segundo a análise realizada pela magistrada, o direito possui instrumentos que são capazes de auxiliar no combate à violência e à discriminação dos transexuais. “Existe um agravamento da situação de proteção da dignidade da pessoa que é exposta a esse tipo de constrangimento”, afirma ela. Assim, é proposta a mudança do nome e do sexo do transexual no registro civil como uma forma de assegurar a dignidade da pessoa humana através do seu reconhecimento jurídico.

Além do ineditismo, que é um dos requisitos para a elaboração de uma tese de doutorado, Camila explicou que escolheu esse tema porque, além de contribuir para a ciência jurídica brasileira, tinha a preocupação de que essa contribuição, em direitos humanos, fosse concreta, com uma aplicação prática, não apenas teórica e acadêmica. “No início, não tinha noção de como os organismos internacionais de proteção aos direitos humanos, como a ONU e a OEA, estavam preocupados e debruçados sobre essa questão”, pontua.

De acordo com as definições e classificações estabelecidas pelos órgãos e pelos profissionais da saúde, os transexuais são pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente do seu sexo biológico. O indivíduo transexual apresenta um conflito de identidade, que se caracteriza pela sensação de não pertencimento ao sexo que seu corpo indica. Ele se identifica psicologicamente e socialmente com o sexo oposto e constrói a sua identidade de gênero sem que, necessariamente, tenha relação direta com o seu sexo biológico. É a maneira como o indivíduo se sente, se vê e que espera ser reconhecido e respeitado pela sociedade. “Não se confunde com uma pessoa homossexual, porque a transexualidade não tem nada a ver com a orientação sexual, tem a ver com a identidade da pessoa”, explica a juíza.

Muitos transexuais, diante desse conflito de identidade, optam pela cirurgia de transgenitalização, ou seja, de mudança de sexo. Para tanto, existem normas do Conselho Federal de Medicina que regulamentam tal procedimento. Camila relata que “esse processo de transgenitalização, na área da saúde, pressupõe a modificação das características físicas da pessoa. Então, uma equipe médica, composta por endocrinologista, psiquiatra, psicólogo, cirurgião plástico, começa a atuar junto com essa pessoa tanto para perceber a estabilidade daquela identificação de gênero quanto para auxiliá-la a se assemelhar ao gênero com o qual ela se identifica”.

Quanto à alteração do registro civil, a magistrada aponta que, em muitos países, como, por exemplo, Portugal, Argentina e Espanha, a regulamentação das normas para a retificação do registro civil dos transexuais já é uma realidade. No Brasil, ainda não há uma lei, uma norma que regulamente essa situação. Então, essas pessoas têm entrado com ações, pedindo a mudança do nome e do sexo no registro do nascimento, e os juízes têm ora deferido, ora indeferido, com base nas suas convicções.

Com relação à obrigatoriedade da cirurgia para que ocorra a alteração do registro civil, a juíza de direito explica que a jurisprudência internacional, inclusive a Corte Europeia de Direitos Humanos, apresenta várias decisões no sentido de que a tutela da dignidade da pessoa transexual não pode estar condicionada ao fato de ela ter se submetido a essa operação. “Isso seria exigir um preço muito alto para respeitá-la na sua identidade sexual”, diz ela. O transexual tem direito à operação, mas, se optar por não fazê-la, mesmo assim tem protegida a sua personalidade dos constrangimentos de ter que exibir um documento no qual constam um nome e um sexo não condizentes com a sua identidade de gênero.

Questionada a respeito dos obstáculos que o tema enfrenta no país, Camila entende que há uma série de circunstâncias que influenciam o debate. Além do interesse público na estabilidade das identidades, observa-se uma resistência por parte da sociedade, cujos valores éticos e morais estão assentados em uma tradição religiosa muito forte.

Algumas iniciativas, como, por exemplo, o projeto de lei que reconhece a identidade de gênero e permite aos transexuais a alteração de seu registro civil, apresentado pela Ministra da Cultura Marta Suplicy e aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) no ano passado, mostram que avanços vêm acontecendo em defesa da integridade e da dignidade dos transexuais. Como conclui a juíza, há ainda “muito a percorrer no campo da definição jurídica de todas as situações postas. Apenas que, sob o ponto de vista da dignidade da pessoa transexual e da necessidade de sua proteção contra a violência e discriminação, não há como esperar”.

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