São Paulo (AUN - USP) - “A responsabilidade social tem uma íntima relação com a cultura”. É o que acredita José Mindlin, ganhador do prêmio Unesco para a Cultura em 2003 e um dos maiores patronos da cultura brasileira. Mindlin foi o convidado do Projeto Aldeia Jurídica Global da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Este tem como objetivo a luta pela interdisciplinaridade, promovendo uma formação além da jurídica aos alunos do Largo São Francisco.
Filho de imigrantes judeus russos, José Mindlin é ex-aluno da Faculdade do Largo São Francisco, ex-advogado de imigrantes fugitivos da Segunda Guerra Mundial, fundador da Metal Leve, ex-Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, Conselheiro da Fundação Vitae, e dono da maior biblioteca particular do país. Na palestra, Mindlin falou sobre diversos temas, de Balzac a Maluf, passando pelo holocausto, Getúlio Vargas e Paulo Coelho.
Aos 15 anos, Midlin foi contratado como repórter do jornal O Estado de S. Paulo e participou Revolução de 1930. Mais tarde, se formou em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco e atuou quinze anos como advogado. Durante o Estado Novo, defendeu imigrantes europeus fugitivos da Guerra que tentavam ingressar no Brasil. Em 1950, alguns clientes o procuraram para redigir um contrato de sociedade com uma fabricante alemã de pistões, peças cilíndricas que "sugam" o combustível permitindo o funcionamento do motor. Como os clientes desistiram do negócio, Mindlin não perdeu a oportunidade e assumiu o compromisso. Juntou-se a outros quatro empreendedores e fundou a Metal Leve - nome escolhido em homenagem ao alumínio, matéria-prima do produto. Começou com 50 funcionários. Não demorou até que Juscelino Kubitschek chegasse à Presidência e, na esteira do desenvolvimento da indústria automobilística, a Metal Leve se tornasse uma potência no setor de autopeças.
"A empresa não deve ser uma finalidade em si mesma, ela é um instrumento de desenvolvimento social" diz o empresário. Mindlin acredita há tempos no conceito de responsabilidade social. Ele acha que toda empresa deveria destinar parte do lucro às finalidades sociais, já que todos somos responsáveis pelo desenvolvimento do país. "O Brasil é um grande mutirão", complementa.
Mindlin é proprietário da maior biblioteca pessoal do Brasil, com um acervo de mais de 35 mil livros, incluindo muitas raridades. Ele começou a coleção quando tinha 13 anos e não parou até hoje. O conjunto inclui desde manuscritos dos Sermões do Padre Antônio Vieira a edições originais de relatos das primeiras viagens de cunho científico pelo Brasil, como a de Hans Staden; das cartas de dom Manuel ao papa aos originais revistos de Grande Sertão: Veredas e Sagarana, de Guimarães Rosa, e de dezenas de grandes obras da literatura brasileira. Para relatar sua intensa paixão pela literatura, o bibliófilo paulistano escreveu o livro Memórias Esparsas de uma Biblioteca (publicado pela Imprensa Oficial).
Atualmente com 90 anos de idade, o ex-advogado vivenciou momentos importantes da história nacional. Mindlin fez um relato de memórias e contou, entre outras coisas, que Getúlio Vargas era hostilizado pelos alunos do Largo São Francisco. O bibliófilo analisou também o cenário geopolítico internacional, com enfoque para o atual conflito árabe-israelense. Nesse caso, ele acredita que a situação foi muito mal conduzida e que cada lado tem suas razões. "O conflito mais difícil de resolver é o entre o certo e o certo", conclui.
Ainda sobre o momento atual, Mindlin diz que a produção cultural cresceu muito, mas que não possuímos ainda grandes nomes. “Atualmente não temos estadistas e nem líderes culturais”, conta o bibliófilo. “Isso é conseqüência dos cataclismas políticos ocorridos no século XX. Os valores morais desapareceram”, conclui.