ISSN 2359-5191

14/12/2004 - Ano: 37 - Edição Nº: 23 - Saúde - Hospital das Clínicas
Depressão agrava desenvolvimento da AIDS em soropositivos
Estudo em mulheres em tratamento contra o HIV comprova que um quadro depressivo tende a piorar a resposta do organismo ao vírus, diminuindo a qualidade de vida do doente.

São Paulo (AUN - USP) - Desde o início da pandemia da AIDS, muito interesse tem sido dedicado ao estudo da influência de eventos de estresse e episódios depressivos em sua evolução, especialmente em relação ao aumento ou não da prevalência de depressão com o surgimento de sintomas relacionados à doença, chegando a resultados bastante controversos.

Valéria Antakly de Melo, em pesquisa realizada em parceria entre o Hospital das Clínicas (HC) e a Faculdade de Medicina da USP, no espaço do HC conhecido como “Casa da Aids”, confirmou que a presença de sintomas relacionados à AIDS em algum momento da vida esteve associada à presença de depressão em mulheres.

Melo percebeu também que as pacientes com os sintomas da doença apresentaram mais freqüentemente episódios de depressão que as que se sabiam doentes, mas sem sintomas claros.

Existem algumas explicações possíveis para o resultado apresentado. A vivência de sintomas relacionados a AIDS já é um evento negativo importante enfrentado por essas mulheres, não somente pelo adoecimento físico, mas também por causa do estigma associado aos portadores. Ao adoecer, o indivíduo se vê face a face com o diagnóstico, não sendo mais possível negá-lo, e tende a depressão.

O fato de que a infecção pelo HIV tem acometido cada vez mais mulheres de menor poder econômico, e que já sofrem com maior intensidade diversos eventos adversos, são muito relevantes nesta análise, estando os fatores sócio-ambientais intimamente relacionados com a presença de episódios de depressão em mulheres. Aqui, a falta de um suporte social suficiente torna mais freqüente a recorrência de episódios depressivos, evidenciando a importância de uma assistência social adequada na abordagem terapêutica global.

No estudo, Melo se ateve aos fatores de estresse que desencadeiam episódios de depressão nas mulheres que estavam deprimidas no momento da entrevista, e percebeu que a maioria destas relacionaram seus sintomas com questões ligadas ao diagnóstico de HIV positivo. Outras citaram problemas conjugais e financeiros, configurando um quadro de ausência de suporte.

Encontrou-se ainda, em média, uma carga viral maior nas pacientes deprimidas, o que pode ser explicado tanto porque as pacientes soropositivas aderem menos ao tratamento, quanto pela possibilidade de que houve um aumento da carga viral, secundário a uma deficiência imunológica decorrente da própria depressão. Células de defesa, como os linfócitos CD8+, são células importantes no controle da replicação viral e fatores de estresse, e sintomas depressivos podem levar a uma diminuição quantitativa dessas células.

A depressão resultante da AIDS

É aceito na medicina que sintomas depressivos são mais comuns em pessoas acometidas por doenças crônicas, em comparação à população em geral, com uma média de um terço dos pacientes hospitalizados, com sintomas de depressão e um quarto apresentando uma síndrome depressiva bem definida, de gravidade ligada diretamente à severidade da doença contraída.

A infecção pelo HIV causa repercussões psíquicas que, além de ser uma doença grave, fatal e incurável, que coloca o indivíduo contaminado face a face com a possibilidade da morte, a epidemia da AIDS causa reações violentas de discriminação e exclusão social, tocando em uma série de tabus da sociedade. Isso torna os sintomas depressivos e os episódios de depressão muito freqüentes nos portadores do vírus HIV, em geral variando de 22% a 45% da população total, sendo um pouco maior em indivíduos HIV positivos.

Além de todos os efeitos conhecidos da depressão sobre o sistema imunológico, os pacientes deprimidos aderem menos ao tratamento anti-retroviral, ocasionando uma progressão da doença e aumento da mortalidade decorrente da AIDS. Pode-se concluir então que o diagnóstico adequado, assim como o tratamento das reações de estresse, dos sintomas depressivos e dos episódios de depressão em pacientes infectados pelo HIV, ocasiona uma melhora na qualidade de vida, além de uma melhor evolução da doença.

Os dados do estudo sugerem ainda que, apesar da prevalência de depressão ao longo da vida ser alta nessa população, a maioria das mulheres não apresentou episódios depressivos recorrentes. É importante frisar que a literatura descreve que a recorrência de episódios se deve cada vez menos a fatores de estresse, acontecendo mais espontaneamente, sem um fator desencadeante bem definido. Logo, o mais provável é que as pacientes avaliadas apresentaram ou estão apresentando o seu primeiro episódio de depressão, sendo que uma recorrência futura é sempre possível. A grande parte das mulheres estudadas, 48%, apresentou ao menos um episódio de depressão previamente, sendo que apenas 22,4% chegaram a essa situação antes do diagnóstico.

Perspectivas futuras

Os resultados encontrados na pesquisa ressaltam a importância de uma adequada assistência psiquiátrica e psicológica para as mulheres, não apenas para o tratamento, mas também para a prevenção dos episódios depressivos. Além disso, fica evidente a importância de novas investigações sobre o tema, não apenas pela alta prevalência de transtornos depressivos encontrada, mas também pelos possíveis desdobramentos que a depressão pode ter sobre a qualidade de vida dessas pacientes, assim como sobre a evolução da infecção pelo HIV.

Outro ponto levantado, este da prática clínica de Melo, vem da percepção de que vários pacientes iniciam quadros de depressão após sofrerem preconceito em ambiente de trabalho. Essas pessoas desenvolvem depressões moderadas e graves associadas à fobia de encontrar pessoas do ambiente de trabalho e inclusive de passar em frente ao local do emprego, e ficam afastadas, recebendo benefícios pelo INSS, e não podendo retornar a atividades produtivas. O preconceito ainda é muito grande, e Melo atenta para o fato de que a mídia divulga isso muito pouco, passando a idéia de que, pelo fato de existir tratamento para AIDS, os portadores do HIV estão vivendo bem. É claro que a qualidade de vida melhorou muito após o surgimento do coquetel, mas ao mesmo tempo as dificuldades psicossociais continuam, em especial a relação entre o preconceito no ambiente de trabalho e o desenvolvimento de quadros depressivos graves, abrindo toda uma gama nova de pesquisas.

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