Pouco estudado pela historiografia nacional, o Código Criminal de 1830 por muitas vezes é resumido a um documento restrito à sua época e feito às pressas. A pesquisa de Vivian Chieregati, sob orientação da professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Monica Duarte Dantas, procura desvendar os processos que culminaram na publicação do documento aprovado em 16 de dezembro de 1830.
Com a análise de dez outros códigos, além de projetos de codificação penal, vigentes no ocidente, a mestranda pôde estabelecer que o Código de 1830 acabou por ser elaborado em um momento específico da política nacional. “Podemos resumir como o de um descontentamento crescente com a atuação do imperador D. Pedro I”, explica Vivian, ao apresentar de que formas crimes e penas foram determinados em concordância com esta situação.
A partir da comparação do código brasileiro com outros de países europeus e da América do Norte, a pesquisadora encontrou as matrizes que constituíram o Código de 1830. Vivian conta que, diferentemente do que se supôs por muito tempo, ele distanciava-se do modelo jurídico do código francês de 1810. “Ao longo da elaboração do código brasileiro, foi eliminada por completo a prescrição de pena de morte aos crimes políticos”, ressalta a pesquisadora. “Crimes de que, num futuro próximo, os parlamentares se viam como possíveis autores”. Esta é uma evidência que sustenta a posição tomada pelos parlamentares que participaram do processo de criação do código, que enxergavam a utilização do documento como arma política.
Arquivos perdidos
Apontado como inovador pela banca de defesa, o método de Vivian se destaca em relação a outros estudos recentes. A pesquisadora se debruçou em arquivos jurídicos e buscou estabelecer as relações sugeridas pelo trabalho a partir de leituras extras além do material encontrado – um levantamento de documentação inédito acerca do Código Criminal do Império do Brasil.
Monica Dantas, orientadora de Vivian, já havia pesquisado e feito descobertas acerca da elaboração deste código. “Daí o interesse em buscar novos documentos”, diz Vivian. “Pois já sabíamos de antemão que o processo de elaboração deste diploma havia sido mais complexo e interessante do que normalmente se afirmava”.
O processo de pesquisa nos arquivos se iniciou em Brasília. A mestranda passou dez dias pesquisando diretamente nos arquivos públicos da Câmara dos Deputados e do Senado brasileiro. Foi um trabalho que contribuiu para a realização de uma compilação de documentos, além de trazer maior nitidez à pesquisadora sobre o processo de elaboração do código.“Passado algum tempo fiz uma segunda viagem de pesquisa, desta vez ao Rio de Janeiro, onde pesquisei em diversos arquivos”, lembra Vivian.
Foi na Biblioteca Nacional que a pesquisadora conta ter descoberto, depois de muito garimpo, documentos inéditos acerca do código criminal, fundamentais à sua pesquisa: os trabalhos de uma das principais comissões responsáveis pela reelaboração do futuro Código de 1830 e um projeto de código criminal entregue à Câmara dos deputados, em 1827. “Minha orientadora tem uma tese acerca da documentação do Império brasileiro que se comprovou verdadeira: é a de que os documentos existem, basta que nós os procuremos”.
Vivian conta que há documentos descritos nos Anais do Parlamento e que, ainda desconhecidos, precisam ser procurados em arquivos públicos ou particulares. “O trabalho insistente nos arquivos, enfim, provou-se extremamente frutífero e valioso, contribuindo em muito aos resultados que pude alcançar”.