De acordo com o Art. 7º da lei 6.538/78, “constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento”. Esse serviço, segundo o Ministério das Comunicações, “constitui infraestrutura básica de comunicação do Brasil e contribui para a integração nacional, a divulgação da cultura e o desenvolvimento regional”. A constatação da relevância do setor postal para o país e também de suas dificuldades, muitas vezes negligenciado como campo de análise e reflexão, motivou a elaboração da dissertação de mestrado “O regime jurídico do setor postal: desafios contemporâneos e perspectivas para o setor”, defendida por Clarissa Ferreira de Melo Mesquita na Faculdade de Direito (FD) da USP. O material, revisto e atualizado para publicação após a defesa, será lançado, em breve, no formato de livro pela Editora Saraiva.
A importância do estudo do regime jurídico do setor postal brasileiro, segundo a autora, está na insuficiência das soluções dadas aos problemas setoriais pela doutrina e jurisprudência frente aos novos desafios que o setor vem enfrentando. “Não seria retórico dizer que quase tudo no setor é questionável”, afirma Clarissa, que propõe em seu trabalho desde soluções interpretativas até uma revisão do quadro normativo aplicável ao setor para resolver tais problemas.
A pesquisa procura radiografar a realidade do setor, marcada pela ampliação dos serviços postais e pela proliferação de prestadores privados, e descrever o conteúdo dos serviços postais para se entender o que é hoje a “rede postal” e quais os efeitos jurídicos derivados do alargamento dos serviços postais. Sob o ponto de vista do setor, investiga conceitos centrais de serviço público e “monopólio” postal. O trabalho preocupa-se em trazer dados operacionais do setor e dialogar criticamente com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apontando suas consistências e inconsistências.
No momento presente, segundo a autora, atuam, no setor, diversos agentes econômicos, sem se saber ao certo quais serviços podem prestar e se podem fazê-los num regime de mercado. Há dificuldades em se definir “se as atividades postais podem ser prestadas por particulares através de concessões e permissões, se podem ser prestadas através de contratos de franquia ou se são livres à exploração privada, independentemente de qualquer vínculo de outorga”.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) foi criada em 20 de março de 1969, como empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, pelo decreto-lei nº 509/69. A pesquisa parte da hipótese de que a disciplina jurídica do setor postal se constrói, predominantemente, a partir da atuação da ECT, mais do que qualquer outro referencial (mesmo havendo outros agentes econômicos que atuam no setor), e é difícil, até mesmo, “saber se o ‘monopólio’ conferido à ECT foi recepcionado pela atual Constituição Federal e, se foi, quais serviços estariam nele englobados”.
O tema é marcado por uma grande carga ideológica e por fortes interesses políticos, segundo Clarissa. O número de conflitos envolvendo a ECT, que chega ao Judiciário, é grande. E “essa ‘grande judicialização’ de conflitos no setor postal não se reflete apenas em termos numéricos. Mais do que os números, o problema central da judicialização que se verifica no setor é o eterno retorno dos conflitos e a insuficiência das resoluções judiciais para colocar fim a eles”.
Neste sentido, de acordo com o trabalho, mesmo após a decisão do STF na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 46-7/DF — caso paradigmático, que traz como pano de fundo o tema da introdução da concorrência no setor postal, cujas atividades são tradicionalmente consideradas serviços públicos —, ainda estão em aberto muitos dos questionamentos sobre quais atividades as empresas privadas podem licitamente entregar, relacionadas, sobretudo, a documentos comerciais, como, por exemplo, boletos de contas de água e luz, entrega de talões de cheque, de cartões de crédito, entre outros. Por outro lado, a pesquisa evidencia que são reiterados os conflitos sobre impenhorabilidade de bens e imunidade tributária recíproca, privilégios postais conferidos à ECT que devem ser avaliados, especialmente em razão de seu impacto na competição do setor.
Assim, diante de todos esses entraves, a pesquisa demonstra que há razões suficientes para que políticas relacionadas ao setor postal façam parte da agenda nacional e que o setor como um todo deixe de ser colocado em segundo plano pelos órgãos governamentais. É preciso, segundo a autora, arejar as reflexões sobre o setor e avaliar soluções jurídicas potencialmente mais funcionais para lidar com o desafio de elaborar políticas públicas para o setor, que ainda exerce papel estratégico no cenário das comunicações no Brasil.