Conhecida por seus quadrinhos e charges, Laerte Coutinho também está chamando atenção pela decisão de passar a vestir roupas consideradas femininas. Diante disto, tendo muito o que falar sobre diversidade e identidades sexuais, ela (como prefere ser tratada) participou de um debate na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP no dia 27 de setembro e respondeu a questões sobre política, humor e seu processo pessoal de transição.
Laerte foi chamada à FEA pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) para debater questões relativas ao gênero humano, mas falou muito de política, já que, segundo ela, “quando a gente fala de sexo, a gente também está falando de poder e de relações de produção”. Assim, completa que quando pessoas propõem mudanças de comportamentos e vivências na área da sexualidade, contribuem para revolucionar a organização geral da sociedade. Diferentes comportamentos sexuais existem e são reconhecidos desde a antiguidade, mas, segundo ela, o que mudou nos dias de hoje é o traço de cidadania que a diversidade vem adquirindo. A ilustradora explica que esta pluralidade que pode levar à mudança não está apenas no contexto sexual, mas também envolve todas as possibilidades de etnias, classes e idades, por exemplo.
O viés político é abordado logo que o debate foi aberto para as perguntas, quando Laerte é questionada sobre seu posicionamento quanto às medidas do presidente russo Vladimir Putin, que restringem propagandas a favor dos direitos dos homossexuais e a adoção de crianças por eles. Putin, ao fazer estas determinações, “não está reprimindo só a população gay”, segundo ela, já que impede toda a população de seu país de ter acesso a um debate. Isto pode ser equiparado com o que fazem lideranças políticas brasileiras que usam do discurso religioso para disseminar o ódio às diferenças também nas instâncias de poder, querendo legislar a partir da crença de um grupo, mesmo em um Estado laico.
Os dois lados de uma piada
Para a cartunista, o humor pode ser ferramenta para manutenção de preconceitos já disseminados na sociedade, mas também introduzir inquietações e transgressões na população, podendo promover a mudança. Um humorista está “sempre de alguma forma negociando com as ideias pré-concebidas na sua plateia. Se eles são submissos a esse corpo de ideias da plateia, eles vão ter fatalmente um recorte conservador na sua piada, e é muito comum isso”. É importante, então, saber de qual lado da piada você está. Laerte conta que esta diferença está descrita no documentário O Riso dos Outros, de Pedro Arantes, do qual ela mesma participou.
No debate, Laerte conta sobre como descobriu que se sente melhor caracterizada como uma mulher. O processo se iniciou quando produziu a tirinha em que seu personagem Hugo (acima) se travestia. Por isso, foi contactada por um membro de um grupo de crossdressers, que se reúne para vivenciar a experiência de usar roupas consideradas do sexo oposto. Laerte, em 2009, aceitou o pedido e passou a praticar o crossdressing. Ao longo do tempo, foi rompendo barreiras e incorporando a prática ao o seu dia a dia: “Não vi mais sentido em ficar me escondendo. Comecei a ir à padaria com uma sainha, a princípio discretamente”, explica. “Quando me perguntam ‘você está vestida como mulher?’ não, não estou vestida como mulher. Ou eu sou uma mulher ou estou vestida de acordo com o que me sinto”, completa.