O cotidiano das escolas é marcado por situações que envolvem o conceito de transgressão. Para entender a ocorrência desses episódios, bem como a forma como os jovens se relacionam com o mundo, Sofia de Alencastro desenvolveu o estudo Obediência e transgressão sob a perspectiva do adolescente no ambiente escolar, apresentado no Instituto de Psicologia (IP) da USP. Ao longo de três anos de entrevistas com 150 jovens, de diferentes instituições públicas e particulares, a pesquisa teve o objetivo de verificar se a perspectiva ética faz parte do projeto de vida dos adolescentes, que razões eles identificam para obedecer e transgredir, e se há nas diferentes dinâmicas escolares, estímulos para o desenvolvimento de valores morais.
Sofia teve o seu interesse despertado pelo tema a partir do trabalho nas escolas onde trabalhou e onde pôde acompanhar com proximidade o trabalho dos professores, conviver intensamente com os adolescentes e vivenciar os conflitos existentes no ambiente escolar, por meio dos quais é possível observar a diferença entre os pontos de vista dos estudantes e dos educadores. “Notei que as explicações e justificativas para os conflitos, em sua maioria, partem do ponto de vista dos adultos, que costumeiramente atribuem a origem dos problemas aos alunos. Partindo desse pressuposto, a escola tem pensado suas intervenções, porém sem muito sucesso. Por isso, resolvi perguntar aos alunos como eles veem essa questão, para que possamos pensar se estamos no caminho certo para resolver esses conflitos”.
Ao longo da elaboração do estudo, Sofia se deparou com pontos que lhe foram surpreendentes. Entre eles, destaca-se o fato de que, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o jovem confere, sim, importância da escola, deseja que ela seja rigorosa, que ofereça boas aulas, e reconhece o valor de um bom professor. Inclusive, as ações transgressoras, causas de vários conflitos dentro do ambiente escolar, não são, em sua maioria, dirigidas aos professores. “Segundo os jovens, elas dizem respeito às questões de ordem relacional, com a finalidade de destaque, de exibição de poder e de influência pessoal entre colegas. As manifestações de transgressão desse tipo são encorajadas quando o professor se coloca distante dos conflitos que ocorrem entre os pares cotidianamente na escola, pois esses atritos teriam também a função de chamar a atenção do professor”.
Outro ponto de destaque foi o fato de que a ausência dos professores no processo de mediação dos conflitos leva o jovem à desejar um maior protagonismo dos educadores. “Descobri um jovem mais consciente de sua situação e mais disponível para mudança, o que foi muito positivo”. Além disso, Sofia também se deparou com a questão de que a frequente prática escolar autoritária, centrada no poder dos adultos e no uso de recompensas e punições, cria dificuldades para o desenvolvimento de uma moralidade autônoma entre os estudantes.
O estudo procurou mostrar, fundamentalmente, que as relações existentes entre obediência e transgressão passam pela importância que o jovem confere ao seu protagonismo. Não se pode impor ao jovem o simples papel de rebelde sem causa. Há, sim, um desejo de mais participação na aula, bem como de professores que apresentem coerência entre o que pede o papel de educador e o que de fato é apresentado no ambiente escolar.
Para maiores informações: sofia.alencastro@gmail.com