A adolescência consiste em um período marcado por inúmeros conflitos relacionados à afirmação da identidade, os quais se tornam mais complexos em adolescentes em conflito com a lei. Para entender o âmbito psicológico e comportamental desses jovens, Rebeca de Castro realizou o estudo Funcionamento psíquico de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto, apresentando no Instituto de Psicologia (IP) da USP.
O interesse pela temática surgiu a partir da observação de uma situação encontrada pela pesquisadora no cotidiano. Rebeca, que trabalha na Vara de Infância e Juventude, testemunhava o esforço da equipe da Vara para evitar a chamada internação-sanção, que consiste privação da liberdade para aqueles que não cumprem as medidas socioeducativas determinadas judicialmente. “Essa desobediência me intrigava, pois a literatura sobre delinquência fala de um gradativo envolvimento com transgressão-criminalidade, e esses adolescentes já estavam tão envolvidos que desafiavam a lei sem o menor constrangimento. Por outro lado, a mesma literatura, sob o olhar psicanalítico, aborda o pavor que o delinquente tem do mundo. Assim, me vi querendo entender esse fenômeno do descumprimento”.
Ao longo de dois anos, a pesquisadora realizou o psicodiagnóstico de 30 adolescentes e, inicialmente, pretendia apontar diferenças psíquicas entre dois tipos de infratores: os que cumpriam as medidas em meio aberto, considerados como obedientes, e os que descumpriam, tidos como resistentes. No entanto, ao longo do processo, a pesquisadora teve uma surpresa, ao observar que todos os adolescentes analisados desobedeciam de alguma maneira. “Isso se manifesta basicamente na assiduidade. Os que descumprem totalmente são os que não vão, mas os que cumprem, não vão no dia e horário combinados. Com isso meu objetivo mudou um pouco, mas não em essência”.
Rebeca também se surpreendeu com a dificuldade que os adolescentes analisados encontram para falarem sobre si, o que está relacionado com a maneira como se portam no mundo. Outro ponto que também chamou atenção é o grau de desamparo de cada um, o qual está estreitamente vinculado à possibilidade de cumprir as medidas socioeducativas. “Quanto maior o desamparo, menor a condição de cumprimento apresentada pelo adolescente. São histórias de vida marcadas por rupturas trágicas, oscilação de cuidados, abandono escolar. Em outras palavras, aquele menino que mais aparenta desafiar a lei, completamente indiferente às determinações da Justiça e suas consequências, não é a maldade em forma de figura humana, mas um indivíduo que precisa da maldade e da indiferença para não se sentir tão indefeso”.
Com o estudo, a pesquisadora conseguiu mostrar que a assiduidade às medidas socioeducativas não está relacionada ao tipo de infração cometida e que a severidade da pena também não é capaz de exercer influência em relação ao cumprimento das determinações judiciais. No entanto, o principal ponto que Rebeca constatou foi a importância de assegurar um tratamento humano e adequado aos adolescentes em conflito com a lei. “Os dados mostram claramente que não há reinserção social de um adolescente a partir de um trabalho desumanizante. As pessoas costumam pensar que é preciso endurecer com esses jovens, submetê-los a um enquadramento que traga dor. É verdade que eles precisam ser punidos, mas não com uma dor a mais, motivada pela vingança. Dores eles já têm o suficiente. Precisam, sim, reencontrar a própria dor, negada ao longo de sua história. Aí, sim, talvez consigamos resgatá-los de uma trajetória delinquente, pensando em um convívio social ao qual eles se sintam pertencentes de verdade”.
Para mais informações: rebecaeugenia@gmail.com