A Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP recebeu no último dia 16 a pesquisadora da Fundação Osvaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) Lígia Giovanella ministrar a palestra As Lições a Aprender de Sistemas Universalistas no Mundo. A pesquisadora apresentou uma comparação entre sistemas de saúde da Inglaterra, Alemanha e Espanha e também como a crise econômica mundial de 2008 influenciou as reformas de saúde nesses países.
Os três países abordados na palestra são os que possuem sistemas de saúde realmente universalistas, ou seja, contemplam toda a população. O mesmo objetivo, cobertura total da população é atingido por meio de diferentes modalidades de financiamento e de atendimento.
Sistemas Universalistas
O Seguro Social da Doença é um dos ramos do Seguro Social da Alemanha. Seu financiamento é público e vem das contribuições sociais pagas pelos alemães para o Seguro Social. A filiação dos trabalhadores ao Seguro Social é compulsória.
O sistema é composto por 146 Caixas (categorias) de doença e são elas que contratam com as Associações de Médicos Credenciados os serviços prestados. "Na Alemanha, o médico que atende ao Seguro Social é um profissional autônomo que atende o assegurado em seu consultório privado", explicou Lígia.
A pesquisadora também esclareceu que, diferente do que é observado nos outros países que ela estudou, a atenção primária é fraca. "A pessoa não precisa procurar primeiro um médico generalista para depois ser encaminhada ao especialista", disse. Mas pesquisas feitas com a população apontam que existe uma tradição na procura por esse médico.
O National Health Service (NHS) é o sistema de saúde público da Inglaterra. Ele garante acesso gratuito a todos cidadãos residentes e é financiado pelos impostos pagos pela população. Além do financiamento, o National Health Service também difere do Seguro Social da Doença quanto à atenção primária ao paciente. "Na Inglaterra, os cidadãos escolhem um médico generalista na Primary Health Care (PHC) em sua área de residência ou trabalho", disse Lígia. Nessas clínicas os médicos prestam serviços de primeiro contato: ações preventivas, diagnósticas e curativas, além de cuidados de casos agudos e crônicos.
Os médicos que atendem na PHC não podem cobrar nada por nada que seja feito lá, o contrato deles é exclusivo com o NHS.
O sistema de saúde espanhol chama-se Sistema Nacional de Salud (SNS). Ele foi criado após o período ditatorial, em 1986, e garante atendimento gratuito para todos residentes. Seu financiamento é predominantemente público e fiscal. "O SNS tem uma tradição de territorialização e hierarquia", disse Lígia.
O território é dividido em áreas de saúde, com população entre 200 e 250mil habitantes. Um hospital geral é responsável por internações, atenção especializada e serviços de urgência. As áreas de saúde dividem-se em zonas básicas de saúde, nas quais se localizam os centros de saúde de atenção primária com equipes multiprofissionais constituídas por médicos de família, pediatras e enfermeiros. Os profissionais são empregados públicos em tempo integral e dedicação exclusiva.
Universalidade Ameaçada?
O cenário dos sistemas de saúde universalistas europeus tem estado cinzento desde a crise mundial. Quando os governos passaram a gastar dinheiro para resgatar os bancos da crise, em 2008, a questão passou a ser um problema de dívida pública. As instituições financeiras e os bancos mundiais colocaram as medidas de austeridade e o corte de gastos como a única forma de recuperar a confiança dos investidores nos países. "Os defensores das medidas de austeridade colocam os déficits públicos como causa de crise, mas ela é na verdade consequência", coloca Lígia. "A crise foi uma janela de oportunidade para conservadores e bancos diminuírem os gastos com a área social e a saúde".
As consequências são as reformas orçamentarias que abalam a universalidade dos sistemas de saúde na Europa. Na Espanha, por exemplo, a previsão de cortes chegou aos €$ 7 bilhões. A forma de atingir essa meta foi alterar legalmente a cobertura populacional do sistema: se antes todos residentes no país tinham acesso ao atendimento, agora é preciso que o solicitante esteja na condição de segurado social. A cobertura diminuiu.
Outro indício dos novos tempos foi o aumento da carga horária dos funcionários da saúde seu respectivo aumento de salário.
Mas a crise não afetou todos os países europeus igualmente. "A boa situação econômica da Alemanha em 2012 teve repercussões positivas também para os seguros sociais", comentou Lígia. O contexto de baixos níveis de desemprego elevou as receitas dos contribuintes, gerando superávit. "O argumento da austeridade como receita única para todos os países não funciona".