Muito do que se desenvolveu no Ocidente – e que se mostrou importante para sua histórica e ainda atual hegemonia no mundo – ocorreu nesses locais por causas replicáveis, e, consequentemente, também poderia ser aplicável para civilizações não-ocidentais ou serem importado por outros povos. É o que afirma o professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI/USP) e do Departamento de História (FFLCH/USP) Peter Robert Demant a partir da pesquisa As causas da Hegemonia Ocidental, ainda em andamento.
A hegemonia Ocidental é ainda muito visível e bastante influente nas atuais dinâmicas políticas – tanto nacional quanto nas relações internacionais. E, num cenário em que a tendência é cada vez maior para diálogos entre diferentes países e sociedades, há ainda desproporcionalidade de poder e influência.
Para Demant, costumam-se explicar as causas dessa hegemonia de maneira simplista e “vulgar, falando de imperialismo e olhando para poder econômico e militar dos EUA, mas isso é só uma pequena parte de uma trajetória muito mais complexa.” Para ele, essas relações e influências são mais profundas, e, muitas vezes, elementos e processos desenvolvidos no Ocidente são absorvidos de maneira muito mais contraditória por outros povos que a simples relação de dominação.
Vivemos em uma “situação de hegemonia tanto política, cultural, econômica, militar, do Ocidente, que mesmo hoje apesar de certo declínio geopolítico dos EUA e de alguns países europeus, ainda mantêm sistema, valores, linguagem e conceitos ocidentais.” O professor cita exemplos. Os problemas de desenvolvimento tecnológico que produziram a crise ambiental têm sua raiz na maneira tipicamente europeia de lidar com a natureza. O capitalismo, hoje global, desenvolveu-se a partir da crise do feudalismo europeu. O direito internacional e a democracia, que remetem à separação entre Estado e religião. O sistema internacional de Estados também é uma invenção europeia que se expandiu pela colonização “e hoje todo o mundo é um quadro que tem ascendência ocidental. Pense na Indonésia e na Índia. Eles inventaram os Estados contra a colonização europeia. Importaram o nacionalismo, a ideia da autodeterminação de um instrumentário mental europeu que aprenderam em escolas com currículo britânico, francês, ou holandês.”
Diante desse quadro, a pesquisa de Demant, voltada para tais relações de hegemonia, confluiu duas coisas: sua tese de livre-docência, defendida em 2007, em que realiza uma tentativa de sistematizar as teorias que explicam como que o Ocidente é predominante no mundo. E o curso que ministrava no IRI, História da Globalização e da Fragmentação.
Demant analisou variadas teorias existentes sobre o assunto e as dividiu entre dois grupos: as internalistas, que tentam explicar a hegemonia por algo que os europeus teriam de maior, melhor ou mais do que os outros – melhor cultura, melhor religião, melhor ethos de trabalho; e as externalistas, que olham mais para a relação entre Ocidente e não Ocidente, principalmente de exploração, e até de colonização mental.
O que o professor pôde concluir até o momento é que muitos dos processos desenvolvidos no Ocidente ocorrem de forma aleatória. E esses desenvolvimentos acabaram sendo envolvidos posteriormente no processo de hegemonia desses países no mundo. “Eu sou universalista, então me oponho ao relativismo cultural – não de forma extrema, mas me oponho”.