As imagens e ilustrações da obra Sagarana, de João Guimarães Rosa intrigaram o pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, Conrado Fogagnoli que em sua dissertação de mestrado buscou estabelecer relação e criar hipóteses de leitura entre os textos e as imagens criadas pelo artista curitibano Poty Lazzarotto.
A construção textual do autor brasileiro em muito se relaciona com o trabalho de gravuras do artista. Rosa é conhecido por fazer uso de diversas figuras de linguagem que dão um caráter material para seus textos, e foi a partir da análise de críticos da época da publicação do livro, em 1946, que Fogagnoli construiu suas hipóteses na dissertação Entre texto e imagem: um estudo sobre as ilustrações Sagarana, de João Guimarães Rosa. "Foi muito interessante perceber que alguns críticos, no ano de lançamento, tiveram essa perspicácia de evidenciar essa preocupação plástica, o apelo visualizante do texto", conta o pesquisador.
Fortuna crítica e documentos
Ainda na graduação, o mestrando tomou contato com as edições ilustradas em que o Poty havia trabalhado para Guimarães Rosa. Diz que se interessou pela investigação da relação entre literatura e artes visuais, e que sua formação em letras contribuiu para o estudo das ilustrações. "Me pareceu uma boa oportunidade de tentar me aproximar um pouco das artes visuais", conta.
Para a realização de sua pesquisa, Fogagnoli se dedicou ao estudo das críticas às obras de Rosa e Poty, na procura de referências plásticas no trabalho do autor, além de vasculhar os arquivos tanto do artista, quanto dos editores de Sagarana para estabelecer as relações e desenvolver suas hipóteses de leitura da obra, mas a ausência de material forçou o pesquisador a buscar suas informações em outras fontes. "Nesse sentido acabei em uma pesquisa mais de documentação, de documentos primários", revela o pesquisador, que vê no IEB um incentivo para a busca desse tipo de documentação. "O IEB é um centro importante, acho que seria uma tendência esperar que os trabalhos que se façam ali se valham do acervo ou de uma ideia de trabalho montada a partir de documento mesmo".
A partir dessa documentação, o pesquisador pôde comprovar que Guimarães Rosa foi um autor interessado pelas artes plásticas. Durante a época em que viveu na Europa, a serviço do Itamaraty, Rosa manteve os catálogos e diários de anotações sobre as exposições que visitou. Fogagnoli pôde entrar em contato com esse material: "Nos diários das visitações, ele não só anotava pinturas que lhe interessavam, mas tentava fazer esboço de quadros que lhe despertavam mais interesse, indicando a questão da composição, das cores, um material muito interessante", revela, apesar de reconhecer que o intelectual não era um especialista em artes plásticas, mas que apresentava afinidade.
Uma espécie de saga
Publicado em 1946, Sagarana é um dos livros mais conhecidos de João Guimarães Rosa. Constituído inteiramente por contos, seu formato e linguagem são exemplos do estilo de Rosa, que se constitui no uso de figuras de linguagem e neologismos – criação de palavras – o que é feito de forma inovadora, além do uso recorrente dos temas do autor, atrelados à vida rural no país.
O título Sagarana é formado pelas palavras saga, de origem alemã, que significa algo como lenda e rana, palavra de origem tupi, que significa semelhante ou próximo à. Logo, o título Sagarana significa algo como próximo a uma saga, o que a obra busca apresentar.
Fogagnoli, em sua dissertação, buscou chegar a alguns índices de leitura que sinalizaram o interesse do autor para a questão visual – além da sua própria escrita que se esforça em realçar essa visualidade do próprio texto. "Isso aparece no Sagarana e vai ser visualizado em várias obras dele", afirma. "Numa obra póstuma, por exemplo, há uma série de poemas referentes a quadros e pinturas".