A discussão acerca do programa Mais Médicos suscitou especulações sobre a carência - ou não - de profissionais de outras áreas. Um dos Núcleos de Pesquisa do Instituto de Estudos Avançados, em parceira com outros pesquisadores da USP e do Ipea, resolveu explorar as causas desse aparante “apagão” desses profissionais. Os pesquisadores Leonardo Lins e Mario Sergio Salerno discutiram questões a partir dados coletados em pesquisas feitas no projeto EngenhariaData, cujo Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade (NAP-OIC), da Pró-Reitoria de Pesquisa, apoia e no qual Lins é coordenador desde 2009. Tais dados serviram de base para a construção de um artigo que também subsidiou discussão sobre escassez de engenheiros, que aconteceu na última terça-feira, 5. O texto tem como autores os pesquisadores da USP Mario Sergio Salerno, Leonardo Melo Lins, Bruno Cesar Pino Oliveira de Araujo, Leonardo Augusto Vasconcelos Gomes, Demétrio Toledo e Paulo Meyer Nascimento, do Ipea. De acordo com os estudos feitos, o aumento da oferta de novos engenheiros, decorrente dos cursos da área voltarem a ser atrativos, deve resolver a aparente escassez, uma vez que os cursos da área voltaram a atrair os alunos.
Tais dados, em conjunto com entrevistas feitas em empresas e análise de dados de censos populacionais, mostram um aparente paradoxo: apesar do número de formados em engenharia crescer em números maiores do que os do Produto Interno Bruto (PIB) e da grande quantidade de empregos, enfrenta-se um aparente apagão na área. Os principais eixos do debate giraram em torno das questões relacionadas as áreas da engenharia em que há essa suposta carência, em quais locais, o porque disso e quais as perspectivas diante desse panorâma.
Lins iniciou a apresentação constatando que, independentemente se há ou não escassez de engenheiros no Brasil, é preciso formar mais profissionais nessa área, pois a atividade de engenharia está diretamente ligada ao desenvolvimento tecnológico. Apesar do número de formados e de empregos na área crescerem, a rápida obsolescência tecnológica é um dos motivos pela falta de profissionais qualificados. De acordo com a Embraco, empresa de pesquisa e desenvolvimento, para determinadas especificidades há dificuldades. Estas estão mais ligadas à evolução dos produtos do que com formação. “A velocidade do mercado fez com que houvesse um gap dentro da formação”, disse Lins.
Salerno, por sua vez, argumentou que a acusação de escassez de engenheiros feita em matérias de veículos midiáticos de grande alcance - Jornal Hoje, Folha de S. Paulo e Exame - é feita em torno de muitas especulações e poucos dados. Questões são analisadas sem muito rigor e formalização. Por isso, ele enfatizou a necessidade de estruturar a qualidade do engenheiro e analisar as múltiplas dimensões do debate. Para fazer dar às críticas que fez a outras notícias, Salerno trouxe à tona hipóteses para pensar no problema.
Salerno mostrou então que a questão gira em torno de quatro problemáticas distintas das propostas. A primeira delas gira em torno da qualidade dos cursos de engenharia, pois cerca de 40% deles, no Brasil, tem conceitos 1 ou 2 no Enade e menos de 30% dos formandos vem de faculdades de ponta. Outro problema encontra-se na lacuna geracional, em que se evidencia o envelhecimento dos profissionais que trabalham nas áreas típicas de engenharia, que deixou de ser um atrativo entre as décadas de 1980 e 1990, voltando a sê-lo somente em períodos mais recentes. O terceiro ponto elencado foi a escassez de certas especialidades: não faltam engenheiros em geral, mas sim de áreas específicas. O último ponto elencado foi a diferença de investimentos entre regiões - a concentração regional de formandos em engenharia reflete a distribuição dos bons cursos ao redor do país.
Em entrevista, Salerno disse acreditar que a USP cumpre o seu papel para que exista uma formação boa de engenheiros. “Não dá para reclamar da formação da USP”. Para ele, o problema maior consiste na quantidade de vagas. “Deveria haver muito mais vagas para engenharia na USP”. O professor levantou que alguns dos cursos dentro da Escola Politécnica possuem a mesma quantidade de vagas da década de 1970, o que é polêmico para muitos dos professores da unidade.
Após a exposição desse panorâma, os pesquisadores chegaram a duas conclusões: não há risco de “apagão” de engenheiros, como nos médicos, ainda que se reconheçam alguns sinais de pressões de curto prazo no mercado de trabalho. Entretanto, como engenharia voltou a ampliar vagas de emprego e a ser um curso que atrai alunos, tais pressões tendem a decrescer. Porém mudanças estruturais rumo a uma economia mais baseada em inovação poderiam causar de fato um apagão engenheiros, já que a maioria das universidades brasileiras não qualifica o suficiente seus alunos em inovação. Portanto, o Brasil precisa de mais engenheiros para mudar de patamar produtivo. E a pesquisa apresentada tem como objetivo, justamente, transformar dados do universo da Engenharia em indicadores de inovação e competitividades no Brasil.