ISSN 2359-5191

06/12/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 113 - Saúde - Instituto Butantan
Instituto Butantan pesquisa alternativa para combate à esquistossomose
Piplartina, substância derivada de alguns tipos de pimenta, apresenta resultado satisfatório em fase inicial do estudo

Doença causada por vermes do gênero Schistosoma, a esquistossomose afeta mais de 240 milhões de pessoas no mundo – sendo quase sete milhões destas no Brasil. Atualmente, há apenas um medicamento eficaz contra todas as espécies de Schistosoma e um moluscicida – pesticida usado no controle de moluscos - para o caramujo hospedeiro intermediário do parasita (confira quadro explicativo no final da matéria). Tendo isso em vista, pesquisadores do Instituto Butantan estudam novos compostos para o tratamento da enfermidade e erradicação de seus transmissores.

“A esquistossomose, por ser considerada uma doença de países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, não recebe a devida atenção da indústria farmacêutica pelo baixo potencial de retorno lucrativo”, afirma Eliana Nakano, pesquisadora do laboratório de Parasitologia do Butantan e uma das responsáveis pelos estudos. “O fato de hoje só termos um medicamento eficaz para a doença aumenta as chances dos vermes criarem resistência a ele. O que pode fazer com que, no futuro, esse fármaco perca sua eficácia e não tenhamos mais como eliminar o parasita”.

Compostos potenciais

As pesquisas do Instituto dividem-se em duas vertentes: uma busca potenciais fármacos que atuem diretamente sobre o parasita, enquanto a outra estuda compostos que atuem sobre o hospedeiro intermediário, o caramujo, sem ser tóxicos a outras espécies que compartilhem de seu ecossistema.

“O Instituto trabalha, desde o início, com produtos naturais e preferencialmente com espécies nativas”, diz Nakano. “Descobrimos, por meio de testes, algumas substâncias que podem servir para tratamento de infectados e para eliminar o caramujo”.

É o caso, por exemplo, da piplartina, substância derivada de alguns tipos de pimenta (pimenta longa, pimenta d’arda) e que apresentou um inédito potencial tanto na ação sobre o Schistosoma quanto no Biomphalaria. Diferente do único medicamento que atualmente combate o parasita – que só atua na forma adulta deste - a piplartina teve uma atividade marcante também sobre as formas jovens do verme. O estudo da ação de produtos naturais sobre o S. mansoni (espécie do Schistosoma encontrada no Brasil) foi tese de doutorado de Josué de Morais e foi reconhecido neste ano pelo “Prêmio Tese Destaque USP”, na área multidisciplinar do biênio 2011-2012, e pelo Vale Capes de Ciência e Sustentabilidade.

Os próximos passos da pesquisa são um pouco mais morosos. Uma vez descobertos esses compostos que apresentam resultados iniciais satisfatórios, um estudo mais detalhado é feito para estabelecer o mecanismo e o modo de ação dessas substâncias. “Hoje em dia, a triagem de muitos fármacos é feita por meio de sistemas automatizados, a partir de alvos moleculares conhecidos, nos quais você testará a substância especificamente em relação àquela molécula”, explica Nakano. “O problema dos fármacos esquistossomicidas é que o mecanismo de ação deles não é muito bem estabelecido, e não existe um modelo de ensaio em larga escala (high-throughput screening, HTS), o que faz com que a atividade tenha de ser testada por meio da reprodução do ciclo e dos testes em laboratório”.

Utilizando o caramujo como hospedeiro intermediário e o hamster como hospedeiro final, são pesquisados compostos e realizados testes in vitro e in vivo para verificar a viabilidade e potencial destes. “A ideia é que possamos descobrir compostos cuja síntese seja viável e barata, aumentando assim as alternativas para o combate da esquistossomose”, conclui a pesquisadora.

A esquistossomose

A esquistossomose é uma doença parasitária causada por vermes do gênero Schistosoma – no Brasil, ocorre somente o S. mansoni. As cercárias, larvas do parasita, penetram no homem pela pele quando este entra em contato com água contaminada e migram pela circulação para várias partes do corpo. Quando adultas, alojam-se nas veias mesentéricas, onde permanecem acasaladas colocando ovos até a morte. Parte destes são expelidos pelas fezes humanas – e, caso não haja saneamento adequado, os ovos voltam a entrar em contato com a água, liberando outra forma larval, o miracídio, que infecta o caramujo, seu hospedeiro intermediário. Saindo dos hospedeiros intermediários, as cercárias vão à procura dos hospedeiros finais, os vertebrados – preferencialmente o homem – completando, assim, o ciclo.

Embora possa apresentar manifestações graves, a esquistossomose é, na maioria das vezes, assintomática, sendo a gravidade da doença dependente da carga parasitária adquirida nos contatos com os ambientes contaminados e, quase sempre, de exposições sucessivas aos focos. A doença apresenta uma fase aguda e outra crônica. No início da infecção, os sintomas podem ser inespecíficos, como febre, diarreia, cefaleia e sudorese, e frequentemente não associados à doença. A chamada barriga d’água é a ascite que pode ocorrer na fase crônica quando a enfermidade evolui para quadros mais graves. 

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