Todos os anos, em média, cerca de 150 pessoas perdem a vida no Brasil devido a acidentes com serpentes peçonhentas. A letalidade pode não ser tão alta – são mais de 29 mil casos, ou seja, menos de 1% deles terminam em óbito – mas, se não fosse pela desinformação e pelos mitos que envolvem a picada do animal, esse número poderia ser bem menor.
“Passar alho, chupar a ferida, fazer torniquete, perfurar ao redor da picada – são alguns dos procedimentos errados que as pessoas seguem após um acidente”, afirma Kathleen Grego, diretora do Laboratório de Herpetologia do Instituto Butantan. “Apesar de todos os esforços do Instituto em propagar informações acerca de acidentes ofídicos, a maior parte desses casos ocorre em zonas rurais, onde há muitas dificuldades para se desmistificar crenças em relação às serpentes”.
Mesmo entre as pessoas mais instruídas e com acesso a essas informações ainda há confusões. “Os médicos do Hospital Vital Brazil contam que, uma vez, uma jovem chegou desesperada para receber o soro antiofídico”, conta Kathleen. “Ela dizia que tinha apenas alguns minutos de vida, por ter interpretado erroneamente a indicação de se tentar receber o soro em até três horas depois da picada – que não significa estritamente que você tenha até três horas para sair vivo ou sem sequelas”.
Em meio a tantas confusões, mitos e crenças envolvendo picadas, saiba quais são as orientações e os cuidados que se deve ter em caso de acidentes.
Encontro com serpentes
A primeira recomendação em caso de encontro com o animal é julgar se a presença dele no local em questão pode oferecer risco às pessoas. Caso esteja em um local isolado, o melhor a se fazer é deixá-lo lá. Se oferecer risco a alguma comunidade, a instrução é chamar o centro de zoonoses, a polícia ambiental ou o corpo de bombeiros – e evitar capturá-lo por conta própria.
“Além de ser arriscado tentar pegar a serpente, o transporte desta, por ser um animal silvestre, é ilegal”, lembra Kathleen. “O que significa que você pode ser autuado caso leve-a numa caixa. Portanto, o ideal é sempre contatar as autoridades responsáveis e treinadas para esse tipo de situação”.
Serpentes peçonhentas e não peçonhentas
Não são todas as serpentes que produzem veneno – caso, por exemplo, das dormideiras e das jiboias, muito frequentes em território nacional. Há ainda aquelas que produzem um veneno que não possui ação no tecido humano e, portanto, não são nocivas à saúde, como as falsas corais.
A maior parte dos acidentes ofídicos no Brasil é causado pelos gêneros Bothrops (jararaca), Crotalus (cascavel) e Lachesis (Surucucu) – e todas têm algo em comum: a fosseta loreal. Órgão semelhante e muito confundido à narina do animal, a fosseta é uma cavidade bastante visível, localizada logo abaixo dos olhos da serpente. Por meio dela, é possível saber que a espécie em questão é peçonhenta.
Fosseta loreal abaixo dos olhos da serpente. Foto: Sávio Sant'Anna/Butantan
Todas as serpentes peçonhentas brasileiras – com exceção da coral verdadeira - têm a fosseta loreal, que é um órgão termorreceptor que sente variações de temperatura e identifica presas. A coral, embora não a apresente, tem uma outra característica marcante: o desenho de anéis em cores vermelhas, amarelas e pretas ao longo de seu corpo. Porém, como é muito difícil para leigos diferenciar as corais verdadeiras das falsas, o melhor é não se aproximar de nenhuma que possua esse padrão de cores.
Primeiros socorros
Nem toda serpente é peçonhenta e, mesmo entre aquelas que são, ainda há a possibilidade do chamado ‘bote seco’ – picada na qual ela não inocula a toxina. Portanto, a primeira coisa a fazer é procurar não se desesperar, lavar com água e sabão a ferida, deixar o membro atingido para cima e dirigir-se a um hospital.
“A quantidade de veneno que uma serpente injeta na picada e sua letalidade pode variar muito, mesmo em se tratando de uma mesma espécie”, explica Kathleen. “Fatores como tamanho e idade da serpente, se ela estava alimentada ou não, se a toxina foi inoculada diretamente em um vaso sanguíneo ou em um músculo influenciam no tempo que a vítima tem para receber o soro”.
Pelo cálculo que se faz em cima disso, normalmente a pessoa tem em média até 3 horas após o acidente para ser socorrida a fim de evitar sequelas mais graves. A logística e a distribuição de hospitais com soro antiofídico no país seguem essa lógica – é possível encontrar um a cada três horas de viagem. A relação destes pode ser encontrada aqui: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=32336
Outros procedimentos como o torniquete (amarrar uma faixa em volta da ferida para atrapalhar a circulação do sangue), a perfuração ao redor da ferida e chupar a mesma tampouco são corretos. “Se você fizer torniquete, o veneno vai agir nessa região de maneira muito acentuada”, diz a pesquisadora do Laboratório de Herpetologia. “No caso da jararaca, por exemplo, cujo veneno é proteolítico - ou seja, lesa a musculatura – concentrar a toxina nessa região aumenta muito a chance de sequelas e amputação”. “E, nos casos de incisão ao redor da picada e chupá-la, favorece-se a entrada de microrganismos, podendo ocorrer, assim, infecções secundárias”.
Logo, a recomendação continua sendo evitar curas e procedimentos caseiros, restringindo-se os primeiros socorros à higienização da área picada, deixar o membro atingido para cima e procurar ajuda de forma urgente. “Felizmente, as taxas de sobrevivência, após a aplicação do soro antiofídico, são muito altas”, ressalta Kathleen. “Portanto, instruímos sempre as pessoas a procurarem ajuda profissional o mais rápido possível e evitar recorrer a procedimentos caseiros que possam prejudicá-las”.