Relação e notícia da gente que nesta segunda monção chegou ao sítio do Grão-Pará e às terras do Mato Grosso.
Publicado em Portugal, em 1754, um folheto assim intitulado visava incentivar a imigração através da exaltação fantasiosa da natureza brasileira. Relação curiosa do sítio do Grão Pará e das terras de Mato Grosso, impresso pouco depois e com as mesmas intenções, é outro exemplar raro de incentivo à ocupação de nosso atual território. Ambos são analisados pelo biólogo Nelson Papavero, do Museu de Zoologia da USP, no artigo “Visões da fauna e flora da Amazônia em dois raros folhetos portugueses do século 18 incentivando a emigração”, publicado na revista Arquivos de Zoologia.
“Infelizmente nada se sabe sobre os autores desses dois folhetos, que apresentam uma visão absolutamente idílica da Amazônia. As informações zoológicas são escassas”, diz o pesquisador, se referindo ao conteúdo questionável dos dois impressos, até então desconhecidos e disponibilizados através da Internet. Além da imprecisão, há omissões estratégicas para a manutenção da imagem do país. “Nenhuma menção foi feita aos carapanãs [mosquitos], que aparecem indefectivelmente em todos os outros escritos de aventureiros, cronistas e missionários que percorreram o rio Amazonas”.
A fauna amazônica não havia sido explorada em profundidade até esse momento. O conhecimento de suas espécies avançou lentamente. “Só com os escritos dos jesuítas no século 18 é que vão surgir contribuições mais consistentes, mas esses manuscritos foram confiscados em Portugal após a expulsão dos jesuítas em 1758”. Esses trabalhos seriam publicados apenas no século 20, entre eles a obra do padre João Daniel, cujos ricos relatos oferecem uma ampla visão da construção do imaginário da Amazônia. Os relatos predominantemente empreendidos por eclesiásticos foram marco de um tempo em que o esforço de catequização e de colonização eram faces da mesma moeda. Praticamente toda a crônica e memória disponíveis sobre as primeiras tentativas de penetração na floresta tropical foi antologiada por Nelson e mais três zoólogos na obra “O novo Éden”, cuja segunda edição foi publicada em 2002.
Além dos dois folhetos que integram a publicação da revista científica, há um terceiro, o mais completo, de nome Relação sumária das cousas do Maranhão. Este está disponível, em fac-símile, nos Anais da Biblioteca Nacional, e é o mais completo exemplar conhecido do gênero.
Folhetos do tipo eram comuns na divulgação de iniciativas privadas ou estatais na época. Há registros de sua impressão também na Holanda, na Inglaterra e na Alemanha. O terceiro folheto citado teria sido redigido pelo capitão Simão Estácio da Silveira, que além de cronista era professor de agricultura, e comandou a flotilha que trouxe ao Brasil uma das primeiras levas de portugueses imigrantes, um grupo de 200 casais da ilha de Açores.
Zoologia e letras
A descoberta e análise dessas raridades é parte de um projeto maior. Papavero desenvolve já há alguns anos, em parceria com Dante Martins Teixeira, do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Dicionário histórico dos nomes populares de animais do Brasil. Quinhentos anos de nomenclatura zoológica popular. “O dicionário conta atualmente com cerca de 44.500 verbetes, extraídos de (até o presente) 9.886 obras, entre livros e artigos, e mais de 2.800 figuras, em grande parte coloridas”, enumera o acadêmico. É um registro minucioso de variantes regionais, que inclui, inclusive, sua distribuição geográfica.
Esse dicionário, por sua vez, integrará pesquisa ainda maior do professor Mário Viário, da FFLCH-USP, que trabalha em um dicionário etimológico da língua portuguesa.