ISSN 2359-5191

21/09/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 112 - Educação - Faculdade de Educação
Tese revela que o projeto de criação da USP foi pensado em termos raciais
Fundadores da Universidade mantinham contato com o eugenista brasileiro Renato Ferraz Kehl
Imagem: Divulgação

A virada do século 19 para o século 20 foi um dos momentos mais importantes para a construção da identidade nacional brasileira. No esforço de demonstrar o desenvolvimento do país, o projeto de nação foi inspirado por parâmetros europeus de metrópole e de sociedade, que basearam políticas e as instituições nacionais distantes da realidade da população brasileira. 

Como centro econômico, “São Paulo se colocou no lugar de locomotiva do país”, diz a estudiosa Priscila Elisabete da Silva, que defendeu em 2015, na Faculdade de Educação da USP, sua tese sobre as bases da discussão racial na sociedade do início do século 20 que influenciaram a criação da maior instituição intelectual do país e da América Latina, a Universidade de São Paulo (USP). 

Segundo o pensamento da época, “as questões do Brasil poderiam ser organizadas a partir da formação de uma elite específica e essa elite viria pelas universidades, que até então não existiam no país”, afirma Priscila. 

Projetado por Júlio de Mesquita Filho, então proprietário do jornal O Estado de São Paulo, e redigido pelo professor e sociólogo Fernando de Azevedo, o Projeto USP foi influenciado pelas ideologias positivistas das classes mais abastadas e amparado pela mídia da época. 

“Era uma questão de incumbência para a elite paulista levar adiante esse projeto. É daí que surge a ligação entre a identidade da USP e a de São Paulo. Isso foi algo proposital”, conta Priscila. O dia de inauguração da USP foi marcado na mesma data do aniversário de São Paulo e vários símbolos da USP se assemelham aos símbolos da cidade. 

O brasão da Universidade, por exemplo, apresenta a imagem de São Paulo e carrega a mensagem de que os paulistas venceriam pela ciência, já que não venceram pelas armas anos antes da fundação. O brasão foi desenhado pelo historiador e artista plástico Wasth Rodrigues, do Grupo Estado.

Brasão da USP. Fonte: USP

Durante sua pesquisa, Priscila encontrou nos acervos pessoais do educador Fernando de Azevedo e do eugenista Renato Ferraz Kehl cartas discutindo o ideal racial da elite que seria criada no Brasil e, inclusive, pelas Universidades. 

Influência midiática 

“[O jornal] O Estado de São Paulo foi fundamental para a realização do Projeto USP, tanto pela figura do Júlio de Mesquita Filho, quanto pela força do veículo”, diz Priscila. 

A partir da morte de Júlio Mesquita, em 1927, Mesquita Filho organizou o Grupo Estado, formado por um conjunto de intelectuais que escreviam para o jornal e para a Revista do Brasil, criada para divulgar as ideias sobre o progresso e a identidade do país para e da intelectualidade brasileira. “Esta revista acaba se tornando um porta-voz da elite nacional em relação a como se resolviam os problemas da nação”. 

O Estado de São Paulo também foi um importante divulgador das obras de Renato Kehl, cobrindo a fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo e divulgando resenhas sobre seus livros. 

Ao analisar a relação entre as ideias raciais discutidas na época e as ideias que se concretizaram no projeto que deu origem à USP Priscila afirma que “se consegue observar nas entrelinhas, a partir dos editoriais, do que se publicava e das pessoas que publicavam, que existia também uma relação racial [no projeto da USP], que eles também pensavam a nação a partir de uma ideia de povo, que é uma ideia de povo branco, um povo mais próximo possível do europeu”, analisa Priscila.  

A questão racial na USP hoje 

Apesar de ter aderido parcialmente ao Enem, a USP resiste à criação de cotas raciais via Fuvest, um dos eixos da greve das três categorias que a Universidade enfrentou este ano. 

Na USP, cerca de 7% dos 95 mil alunos e 2% dos 6 mil docentes são negros. Para Priscila, a criação de uma elite intelectual e racial específica foi um dos elementos do Projeto USP que permanece ainda hoje e reproduz a exclusão da diversidade racial na Universidade de São Paulo.

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