De acordo com Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), morrem 8,2 milhões de pessoas por ano de câncer no mundo. Só no Brasil, foram registradas 189.454 mortes por câncer em 2013 e para 2016 estima-se que tenham mais de 596 mil casos da doença no país. A pesquisa Uso de nanopartículas lipídicas como veículo de quimioterápicos para o tratamento de doenças degenerativas de caráter proliferativo ou inflamatório realizada pelo professor Raul Cavalcante Maranhão buscou formas alternativas de combate à doença e o tratamento já foi realizado em mais de 200 pacientes.
Esse foi um trabalho pioneiro na área e os primeiros artigos saíram no começo da década de 90. A pesquisa consiste na invenção de uma partícula que se parece com a LDL (lipoproteína de baixa densidade), conhecida popularmente como colesterol ruim, que transporta o colesterol na circulação e quando entra em contato com células cancerígenas acabam destruindo-as. Foi a primeira partícula sólida feita em laboratório que se concentrou no câncer e nos tecidos neoplásicos, ou seja, tecidos que sofreram algum tipo de alteração.
Na circulação existem trilhões dessas partículas LDL que possuem uma proteína chamada apolipoproteína B (apo B) que quando está na circulação é capturada para dentro da célula através de receptores. Em uma célula cancerígena há uma quantidade maior desses receptores do que em uma célula normal. Isso ocorre porque uma célula com câncer se divide a todo momento e para fazer isso ela precisa construir membranas compostas de lípides. Então, para se dividir, as células precisam de uma grande quantidade de colesterol, e para atraí-los, ela multiplica esses receptores. A nanopartícula LDL desenvolvida no laboratório não possui a apo B para entrar na célula, mas quando entra na circulação e se choca com as lipoproteínas, ela adquire uma proteína chamada apolipoproteína E (apo E) que tem ainda mais facilidade em entrar nas células cancerígenas e atacá-las.
Para começar a pesquisa, foi feita a experimentação em animais e depois em pacientes. Nos primeiros trabalhos publicados, foi notada a viabilidade do tratamento dos pacientes com câncer avançado, com metástases e resistentes a tratamento. “Aparentemente, a ação anti-câncer dos quimioterápicos não diminui, pelo menos, e o impacto na toxicidade dessas drogas é muito grande, reduzida ao mínimo”, diz o professor Maranhão.
Esse novo método pode ser chamado de “quimioterápico transportada em nanopartículas” e sua maior vantagem em relação à quimioterapia convencional é que a toxicidade é muito reduzida. Com isso, é aberta uma série de perspectivas no tratamento do câncer. “Supondo que comparativamente o tratamento seja tão eficaz quanto a quimioterapia convencional, o novo método tem a vantagem de poder aumentar a dose e com isso o tratamento fica ainda mais eficiente”.
Além disso, a redução da toxicidade permite que o tratamento seja realizado em pacientes que não podem mais fazer a quimioterapia convencional porque já estão fragilizados. Também é possível tratar o paciente por um período muito maior enquanto na convencional são realizados ciclos curtos para poder interromper a toxicidade cumulativa. Segundo Raul, foi possível tratar um paciente por dois anos seguidos sem problemas de toxicidade.
Essa partícula também pode ser usada em outras doenças como, por exemplo, doenças cardiovasculares e reumáticas crônicas. Além disso, ela pode ser utilizada em casos de transplantes que possuem componente auto-imune. Nesse caso, a nanopartícula é usada para regular o sistema imune em situações em que há inflamação exacerbada.
Para fazer a experimentação desse tratamento na aterosclerose, foi dado colesterol para coelhos para induzir a aterosclerose e quando eles eram tratados, foi visto que as placas com aterosclerose diminuíram em 70% e o processo inflamatório de magrófagos também sofreu uma redução considerável. Depois foi feito um teste com oito pacientes humanos que tinham aterosclerose. Dentre eles, 4 tiveram uma diminuição de 17% nas lesões, 3 ficaram em situação estável e 1 teve o caso piorado. “Considerando que o normal da doença é ter seu estado agravado a todo momento, o resultado foi bastante significativo. Encontramos um método para atacar as lesões de um modo, em princípio, mais eficiente do que se tem atualmente”.