“Não existe no Brasil política pública nenhuma para os idosos e adultos desaparecidos, apenas para crianças e adolescentes”, afirma Rafaela Carvalho, estudante de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) que escreveu como Trabalho de Conclusão de Curso um livro com seis histórias de pessoas desaparecidas.
Como Rafaela aponta em seu livro, nomeado Sem Resposta – Dor, luta e esperança na busca por pessoas desaparecidas, 200 mil pessoas desaparecem todos os anos no Brasil e dessas 160 mil não são menores de idade. Mas o maior problema é que essas estimativas são de 1999, e ainda assim são as mais atualizadas – o indica a falta de políticas públicas para esses casos.
No próprio site do governo feito para a causa dos desaparecidos, o que se vê é um “Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos”, ou seja, mesmo aquele sendo o único site para os brasileiros desaparecidos, ele é voltado apenas para os menores de idade. Frente a isso, Rafaela contou com a ajuda das ONGs Mães da Sé e Mães em Luta, para conseguiu encontrar perfis variados de adultos desaparecidos e buscou contar a história deles.
Cada uma das seis histórias contadas no livro de Rafaela tenta mostrar um universo diferente do desaparecimento. “Quis contar como se fossem capítulos de um romance, então era muito importante saber o contexto dessas pessoas. Fiz entrevistas que duravam de quatro a cinco horas e rodei praticamente a região metropolitana inteira de São Paulo para tentar captar o máximo do contexto das pessoas que entrevistava”, comenta.
Capa do livro escrito por Rafaela Carvalho (Imagem: Divulgação)
As histórias
A primeira história é a de José Maria, um idoso. “O principal da história dele é que não é algo comum, como ‘uma mãe que procura um filho’, ou ‘uma irmã que procura um irmão’. No caso, é uma família inteira, mais de uma dúzia de pessoas, que procuram por ele”, comenta Rafaela. No dia 17 de novembro fez um ano que ele desapareceu, tendo sido visto pela última vez na praia de Iguape, até então com 81 anos.
A segunda história é a de Isaias, que já está desaparecido há 32 anos e cujo filho não o procura mais vivo, mas, sim, por um corpo. “A suspeita é a de que o pai dele tenha sido vítima de tráfico de órgãos no Hospital das Clínicas (HC), aqui em São Paulo”, conta.
A terceira história é a de Paulo, irmão de Francilene. Paulo foi levado em maio de 2006 em uma viatura da Rota, “naquela época em que estavam acontecendo os embates entre a Rota e o PCC, e cerca de 500 pessoas morreram em pouco mais de uma semana”, comenta. Hoje, Francilene virou militante das Mães de Maio, e briga muito mais pela causa dos desaparecidos do que para encontrar o irmão – pois não considera mais que possa encontrá-lo vivo.
“A quarta história é a única com um final feliz”, diz Rafaela. É a história de Amadeu, um autista e deficiente mental que foi encontrado depois de quase quatro anos desaparecido e voltou para a família em junho. “Ele tem uma história muito bonita por ter voltado, mas nela também há a denúncia de ausência do poder público. Pois ele ficou em um hospital durante três anos e seis meses, mesmo tendo dito o próprio nome e o da mãe, pois ninguém nunca cruzou as informações”, afirma. A história de Amadeu é a história da esperança, pois foi o único desaparecido do livro que conseguiu voltar para a família, mesmo sendo deficiente e autista.
A quinta história é a de Sandra, uma mãe que mora em Carapicuíba e que procura a filha desaparecida há quatro anos. “O interessante da Sandra é que ela virou uma entendedora da lei, e [a partir] da dor dela, ela construiu um projeto de lei de iniciativa popular pela pessoa desaparecida”, comenta. Para levar esse projeto ao Congresso Nacional, Sandra hoje tenta coletar o um milhão e meio de assinaturas necessários. Há pouco tempo, Sandra esteve em Brasília, em um fórum de discussão sobre o tema, onde “ela inclusive falou com a presidente. E isso foi um grande marco, pois pela primeira vez ela teve voz frente ao poder público que antes tinha sido completamente ausente e desinteressado”, diz Rafaela.
Quanto à última história, ela é o inverso de todas outras. É a história de Marcela, cuja mãe, Iraci, entregou-a para outra mulher, também no Hospital das Clínicas. “É como se a Marcela fosse a desaparecida da família dela, pois ela não está procurando a mãe biológica, mas, sim, por uma família. E tudo que ela tem é apenas um nome: Iraci Soares”, conta.
O livro está disponível para download neste link.