ISSN 2359-5191

14/02/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 128 - Economia e Política - Instituto de Química
Pesquisas com Chagas têm dificuldades em ser apoiadas pela indústria farmacêutica
Foto: Wikimedia Commons

Estima-se que existam cerca de oito milhões de portadores da doença de Chagas no mundo, segundo dados da DNDi, sigla em inglês para Iniciativa [em busca de]  Medicamentos para Doenças Negligenciadas. No Brasil, há em torno de 2 a 3 milhões de casos registrados, e mais de US$ 1,3 bilhões em salários e produtividade industrial são perdidos devido a trabalhadores chagásicos. Esse mal é muito recorrente na América Latina e é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma doença negligenciada.

O conceito de doença negligenciada foi criado para aumentar a atenção para um conjunto de males que são mais associados a populações em situações socioeconômicas, sanitárias e culturais precárias. “São doenças menos atendidas do que outras, por uma questão simplesmente econômica”, explica Ariel Silber, professor do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Por atingir, na sua maioria, pessoas e países com baixo poder econômico, os recursos para comprar medicamentos ou investir em pesquisa e desenvolvimento são reduzidos.

Os investimentos, por parte da indústria farmacêutica, em tratamentos, drogas e até modos mais simples e eficientes de se fazer o diagnóstico é pequeno, uma das razões pelas quais a doença de Chagas é caracterizada como negligenciada. Segundo Silber, “uma droga para combatê-la tem uma perspectiva de retorno econômico para as indústrias farmacêuticas é muito menor do que um remédio de nova geração para o HIV, ou tipos de câncer, ou para combater enfermidades cardiovasculares, que são enfermidades mais comuns”.

As pesquisas em Chagas no Brasil

O Brasil possui um grande incentivo à pesquisa em Chagas, tanto que laboratórios brasileiros de grande renome na área estão em instituições públicas de pesquisa, como as universidades, e contribuem com diversas descobertas sobre a doença, e também sobre o protozoário causador, o Trypanosoma cruzi, e o vetor transmissor, o barbeiro.

O Laboratório de Biologia Molecular de Tripanossomatídeos (LBMT) do Instituto de Química (IQ) da USP é um bom exemplo. Sua coordenadora, Bianca Zingales, desenvolve pesquisas em torno do T. cruzi e, na década de 1990 chegou a fazer parte de um projeto concebido pela OMS, que organizou um grupo multicêntrico em que diversos laboratórios do mundo participavam com o objetivo de projetar proteínas recombinantes para o diagnóstico da doença de Chagas.

Segundo Bianca, “como tínhamos identificado duas proteínas, a B12 e a B13, fomos convidados a participar desse projeto. A OMS, para esse fim, distribuiu soros de pacientes com a doença de Chagas, indivíduos normais e sadios e pessoas com leishmaniose, para que pudéssemos fazer nossos estudos”. Cada laboratório desenvolveu as suas proteínas recombinantes, e a B13 obteve grande sucesso em diagnosticar a presença do parasita.

Imagem de microscópio do T. cruzi, causador da doença de Chagas. Foto: Ana Cláudia Torrecilhas, Maria Júlia Manso Alves e Walter Colli.

Ao mesmo tempo, a pesquisadora participou com essa proteína do programa internacional Cyted (sigla em espanhol para Programa Ibero-americano da Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento). E junto com outras três, foi um soro que diagnosticava todos os tipos de T. cruzi que existem na América Latina. “Um coordenador do Cyted contatou uma empresa dos Estados Unidos, que se interessou em fazer kits de diagnóstico utilizando as nossas proteínas. Ele criou um teste rápido de que leva 15 minutos para dar um resultado, e isso foi patenteado por eles”, explica a pesquisadora.

Esses testes, segundo Bianca Zingales, foram comprados pelos Médicos Sem Fronteira, para fazer levantamento na Bolívia e na América Central, entre outros governos e instituições da América Latina, região em que essas proteínas foram desenvolvidas. “Nós não lucramos nada com isso”, completa.

A professora informou que antes do laboratório estadunidense ter feito os kits, ela tentou patentear a proteína B13, mas não obteve êxito. “Procurei vários centros do governo para ver se eles teriam interesse em fabricar em larga escala e comercializar, visto que nós, na academia, geramos resultados e produtos, mas não temos condições de comercializá-los. Nenhum deles mostrou interesse”, afirma.

Instituições públicas, como universidades, não possuem recursos para patentearem produtos e descobertas realizados dentro de seus laboratórios e, por isso, a iniciativa privada é quem assume esse papel, de modo a produzir o produto em larga escala, comercializá-lo e, conseqüentemente, lucrar com esse processo. Como a indústria farmacêutica não possui muito interesse em desenvolver produtos para as doenças negligenciadas, pela pouca previsão de lucro, o que se gera é um grande impasse. “As patentes são caríssimas. Como é que a Universidade iria bancar tudo isso? Essas atividades são muito difíceis de serem custeadas pelo Estado, elas devem ser financiadas pela iniciativa privada, e nós caímos em um círculo vicioso”, explica Walter Colli, professor do IQ e pesquisador da área.

Embora o cenário não seja dos mais promissores, Colli acredita que “a perspectiva do cientista nesse meio é tentar descobrir algo que seja eficaz e barato a partir de suas pesquisas, para que esse problema seja realmente eliminado”. Já Bianca Zingales evidencia a importância de projetos sem fins lucrativos. “Por sorte existem iniciativas globais de ONGs e grupos que estão dando dinheiro para desenvolver remédios para esses males”. Ariel Silber vai mais longe e conclui que “certos conhecimentos deveriam ficar em domínio público para poderem atingir o problema de forma mais eficaz”.

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