A afirmação, muito comum, de que a economia brasileira dependia exclusivamente das relações comerciais com a Inglaterra no século 19 não pode ser aceita sem algumas problematizações. Algumas delas foram estudadas por Natalia Tammone em sua dissertação de mestrado “Estados Unidos, Portugal e Brasil em uma época transição: continuidade e inovação”, entregue ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
“Do reconhecimento da independência estadunidense por Portugal, em 1783, até a invasão deste pelas tropas de Napoleão e a vinda da corte para o Brasil, as relações comerciais entre os dois países consistiam principalmente no envio de mantimentos e madeiras a Portugal em troca de vinhos, sal e gêneros enviados à América do Norte”, explica a autora. Segundo ela, é importante também ressaltar que os dois países tinham bons laços diplomáticos, com Portugal sendo um dos primeiros países da Europa a reconhecer a independência dos Estados Unidos, a despeito dos inúmeros tratados que tinha com a Inglaterra.
Após 1776, os demais mercados americanos, que sempre foram um dos alicerces da economia das colônias inglesas no norte do continente, cresceram em importância para os Estado Unidos. A vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 - e, posteriormente, a própria independência brasileira - vieram a facilitar o trabalho que já estava nos planos norte-americanos, tornando o rio de Janeiro o centro das decisões políticas do Reino. O comércio com o Brasil era muito mais importante para o país do que as trocas com os lusos, e o afrouxamento dos termos do pacto colonial entre metrópole e colônia lusas acabou por favorecer de maneira irreversível os interesses econômicos dos Estados Unidos.
“Com o conflito em território português e a vinda da família real para o Brasil em 1808, as relações entre Portugal e Estados Unidos foram divididas em duas frentes, uma para Portugal europeu, através do Conselho de Regência, e outra no Rio de Janeiro, com a própria corte”, diz Natalia. Com o fim dos conflitos europeus em 1815 e, principalmente, a independência brasileira, proclamada em 1822 e reconhecida pelo presidente norte-americano James Monroe em 1824, as relações comerciais entre Portugal e Estados Unidos declinaram rapidamente - exatamente o oposto do que aconteceu entre estes e o Brasil.
“Com a independência consolidada e ao longo da década de 1830, os americanos apareceram principalmente nas atividades ligadas ao tráfico de escravos, à pesca de baleia e ao transporte de mercadorias. Na década seguinte, o comércio entre os dois países se consolidou em termos lícitos, com os Estados Unidos se tornando um grande importador de mercadorias brasileiras, especialmente o café, em franca ascensão como base econômica da economia nacional”, continua. “O papel de outras nações na pauta das exportações brasileiras, destacadamente os Estados Unidos, mostra um nível de complexidade muito maior nas relações comerciais do Brasil e a existência de desafios à predominância inglesa no mercado brasileiro”, conclui.