São Paulo (AUN - USP) - “Chegando no Haiti vi que a 500 metros do palácio presidencial, em Porto Príncipe, havia uma manifestação de mais ou menos 800 pessoas. Mesmo não entendendo o dialeto, que misturava inglês com francês, observei que um manifestante mostrava suas cicatrizes, decorrentes da prática de tortura da guarda nacional à população. O país perdia o medo de se manifestar e a ditadura perdia a condição de reprimir. Estava à beira de um evento revolucionário”. O relato do jornalista José Arbex Jr. descreve o ponto principal de uma das especialidades do jornalismo: a correspondência internacional.
Muito mais do que transmitir a notícias, os correspondentes estão presentes nos fatos que permeiam as relações internacionais. Longe da vida glamorosa e cheia de mordomias imaginadas por muitos, o correspondente passa por situações de riscos para conseguir transmitir informações a seu país. William Waack, por exemplo, foi preso durante a cobertura internacional da Guerra do Golfo. “Fui prisioneiro com Hélio Campos Mello, porque nós cometemos um erro. O repórter não tem que ser mais importante do que a notícia. Sua função é levar a notícia e não ser a notícia. Não foi mérito nenhum de ter virado vítima de um conflito armado”, revela Waack.
A permeabilidade aos fatos é um ponto que Arbex considera fundamental para um bom correspondente. “Você se sentir vulnerável, deixar que o fato abordado se aproxime e afete sua sensibilidade o leva a sentir profundamente aquilo que está acontecendo na rua com as pessoas”, explica. O segundo ponto é a preparação teórica que, segundo Arbex, dá poder de análise sobre os fatos. Ler livros que discutam a relação das classes sociais com o Estado é imprescindível. “Dificilmente sem essas leituras, eu poderia ter uma linha de abordagem pra fazer uma cobertura internacional. Eu não teria tido bagagem teórica pra filtrar aquilo que minha sensibilidade estava dizendo”, completa.
Já para Waack, o foco tem que ser, principalmente, o ser humano. “O que realmente importa são os esquemas mentais, aquilo que as pessoas acreditam. Por exemplo, o Banco Central: ele não é uma instituição pelo prédio que ele ocupa, e sim, pelo fato de as pessoas acreditarem na regra daquele sistema comum”, afirma. Esse tipo de preocupação nos leva à idéia de que se deve levar em conta as versões do que as pessoas acham que acontece em um fato e não aquilo que só é perceptível ao jornalista.“Entender o que se passa na cabeça das pessoas é fundamental pra entender qualquer processo político, decisão e o porquê de uma sociedade caminhar para determinada direção”.
A compreensão histórica dos fatos determina uma cobertura. Arbex discorreu sobre como as relações internacionais vão se construindo ao longo dos séculos e como essas determinam uma boa compreensão sobre os fatos da atualidade. “Quando aconteceu o atentado terrorista de 11 de setembro, ele foi classificado como o pior da história. Mas os ataques a Hiroshima e Nagasaki foram o quê? Um piquenique, um passeio? Não, foi também uma bomba despejada por um poder, EUA, que, em menos de um segundo, matou 70 mil pessoas em Hiroshima e outras 70 mil em Nagasaki”, com esse relato, o jornalista pretende ressaltar que o atentado às torres gêmeas não foi um fato isolado, mas pertence a um legado terrorista. “Durante toda a Guerra Fria, a humanidade viveu tendo como horizonte um holocausto nuclear. A linguagem do terror prevaleceu sempre sobre as relações internacionais, portanto, os terroristas são herdeiros de um processo”, afirma Arbex. Sem esse aprofundamento e formação no campo da política internacional, o jornalista fica mais suscetível a cair em preconceitos e imagens estereotipadas sem conseguir ir fundo nos processos que determinam o movimento das diplomacias e forças. “Com base teórica se foge de um relato apenas impressionista, repetido por toda a imprensa. A partir daí, se extrai lições e reportagens que saiam do lugar comum e da mediocridade”, conclui.