São Paulo (AUN - USP) - A relação entre imprensa e direito, a primeira baseada nas premissas (no entanto falaciosas) da visibilidade e transparência, e o segundo firmado no direito ao silêncio judicial, apresentam uma associação simplória, na qual a mídia leva vantagem por sua relação imediata com o público. Esta e outras considerações, acerca de reportagens policiais e o uso da câmera oculta fizeram parte do debate promovido pela Semana de Jornalismo da ECA/USP entre Marcelo Rezende, apresentador do programa Cidade Alerta, da Rede Record, e a pesquisadora Sylvia Moretszohn, da Universidade Federal Fluminense. O tema do debate, “A mídia assumindo as obrigações do estado e fiscalizando o poder”, serviu apenas como base, e assuntos como o Conselho Federal de Jornalismo também foram abordados.
Os dois debatedores apresentaram, no geral, opiniões divergentes acerca dos assuntos, o que gerou uma discussão proveitosa. Em comum, o fato de que o incidente ocorrido com Tim Lopes, assassinado durante a execução de uma reportagem investigativa sobre bailes funk cariocas, marcou uma nova visão na relação entre mídia e criminologia. Para Sylvia, ficou claro, a partir desse episódio, a idéia de que as instituições em geral não funcionam, e deste modo, é transferido para as mídias esse papel de fiscalizar, denunciar e executar ações. Porém, isso esbarra no direito das garantias constitucionais, mostrando como essa associação é simplória.
Outro ponto de comum acordo entre os dois é a inexistência de real autonomia e liberdade de imprensa, além do erro em se associar o jornalismo com a liberdade de expressão. Há uma grande dependência econômica, que tolhe a atuação jornalística séria e comprometida. Para Sylvia, “os fatores ideológicos e econômicos não interferem, mas sim constituem um acordo entre a mídia e o sistema judiciário com um determinado objetivo”. Além disso, segundo Rezende, “o Brasil não é um país democrático, pois democracia não é só escrever e falar. Só há democracia onde há consciência e justiça”. O apresentador também citou o fato de o poder central ser o grande cliente das mídias como um entrave para a realização de reportagens investigativas mais profundas, como nos casos de corrupção. Um aspecto importante da vida profissional do jornalista investigativo também foi ressaltado por ele, ao dizer que “a vida profissional não deve ser pautada em dar o furo, mas sim na premissa básica da constituição de presunção da inocência”. Deste modo, há de se ter cuidado com as acusações que são feitas, e só fazê-las ao possuir provas concretas de que elas possuem veracidade. Sem isso, não há sentido em levar uma investigação em frente.
Investigação e ética
Em relação ao uso da câmera oculta, tão difundido hoje, e amplamente utilizado em investigações jornalísticas, os dois divergem. Sylvia afirma que “a câmera oculta é um problema crucial”. Ao mesmo tempo em que trás revelações importantes, desrespeita em muitas ocasiões o direito em sua forma mínima, e singulariza determinadas questões que abrangem mais do que o mostrado pelas gravações. Já Marcelo, um dos pioneiros do uso do aparato, quando ainda repórter da TV Globo, concorda com seu uso, desde que sejam respeitados os direitos daquele que é filmado e haja uma reflexão sobre a natureza do assunto: é de interesse do público, ou de interesse público?
O Conselho Federal de Jornalismo e órgão de controle de ética também foram pontos de discórdia entre os dois debatedores. O apresentador é amplamente contra o CJF, por ser “contra tudo o que vem de cima para baixo”, mas acha que deve haver um conselho de ética, porém criado e guiado por jornalistas, e não imposto pelo governo, com condições de ditar regras e punir seus próprios profissionais. No entanto, a pesquisadora, que fez parte do primeiro conselho de ética da profissão criado no país, acha que este não deve estar ligado a sindicatos, evitando assim problemas no caso de punições. Ela aponta também que “a proposta do CFJ surgiu para atender certos interesses, mas isso não foi discutido”.