ISSN 2359-5191

18/06/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 27 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Mulheres encarceradas buscam apoio para dar sentido à vida na prisão
Classe social, dimensões de gênero e domínio de facções criminosas são questões problematizadas dentro das penitenciárias femininas
Tráfico de drogas é o delito que mais condena mulheres no Brasil. / Fonte: Elza Fiuza ABr

A realidade dentro de uma penitenciária é muito diferente e por vezes inimaginável para quem nunca passou por uma, diante disso, cada pessoa procura elementos para construir significados e explicações para os cenários encontrados. A dissertação de mestrado de Natália Bouças do Lago, intitulada “Mulheres na prisão: entre famílias, batalhas e a vida normal”, debruçou-se sobre os depoimentos de mulheres que estavam cumprindo penas e nos fatores que elas recorrem para atribuir valor aos fatos da realidade em que vivem.

Segundo Natália, a ideia inicial era “abordar a questão e o envolvimento dessas mulheres com o tráfico de drogas, já que esse é o delito que mais prende mulheres no Brasil hoje. Mas elas não se mostraram dispostas a tratar do assunto pois envolvia a situação jurídica delas e de outras pessoas também.” A pesquisadora conta que as mulheres preferiam falar sobre o que acontecia com elas lá dentro, mostravam fotos de familiares que carregavam e contavam histórias de vida.

Na busca pela atribuição de significado a nova realidade, as mulheres presas usavam suas referências de vida fora da prisão para explicar algumas relações internas. “Não acho que elas vivem em função da vida aqui fora [da prisão], mas acho que elas usam essa vida de fora para construir significado para a vida delas lá dentro, tomando como partida que a prisão também possui certo trânsito com o mundo exterior e que o encarceramento tem lá suas porosidades”, relata a cientista social.

Como alguns desses fatores de explicação, a pesquisa indicou que as noções de família, classe social e dimensões de gênero são os discursos mais adotados. Porém, a dimensão de família que algumas delas têm vai um pouco além do mais habitual. “Quando elas falam de família, não estão falando só das relações cosanguíneas, mas das relações que se estruturam a partir de outros laços também”, conta Natália. Nesse sentido é possível perceber as marcas que uma prisão deixou nas definições dessas mulheres, “apesar de dizerem que não existe batismo dentro da cadeia feminina, algumas disseram que outras mulheres tratavam-se mutuamente como irmãs. Além disso, o relacionamento com homens que estavam presos ou não também eram incluídos na dimensão de família delas”, relatou a pesquisadora.

A mestre ainda lembra de história que uma de suas personagens contou de que uma filha nascida dentro da prisão foi retirada dela com 15 dias de vida. Mesmo os avós se dispondo a cuidar da criança, o juiz alegou que a família não tinha estrutura para cuidar do bebê. Segundo Natália, “isso nos ajuda a pensar como a prisão é um dispositivo que está muito presente na vida de algumas famílias, principalmente na de famílias pobres.”

A hierarquia dentro da cadeia

Além das relações externas à prisão, era comum encontrar no discursos referências às adaptações e concessões que as mulheres encarceradas tinham que fazer por conta da hierarquia interna que existia na penintenciária. “Existem muitos trabalho que se dedicaram a estudar a influência do PCC [Primeiro Comando da Capital] nos presídios masculinos, mas a influência do crime organizado dentro das penintenciárias femininas ainda é pouco observada”, relata Natália.

“As mulheres com as quais conversei falavam muito das adaptações que faziam diante da hierarquia que se colocava. As pessoas com quem elas se relacionam, com quem conversavam e mesmo quem eram ou de onde vinham contava muito na definição ‘do lugar’ que cada uma ocupava dentro da prisão”, contou a cientista, que afirmou ainda ter escutado relatos sobre os privilégios concedidos às mulheres membros do PCC. “Minhas interlocutoras contavam que as ‘irmãs’ vivam no ‘melhor andar’ da penintenciárias e também usavam as melhores roupas”, explicou.

Durante sua fala, a pesquisadora ainda ressalta como ocorre uma construção de identidade de gênero por parte dessas mulheres em meio a essa situação. O produto da pesquisa indicou que algumas mulheres utilizam as relações com os maridos e a questão de suas próprias sexualidades para desenvolver pensamentos sobre quem elas mesmas são. “Impossível pensar nas mulheres que estão presas sem levar em consideração as classes que elas pertencem, que são classes populares. Sem pensar em como elas trabalham essas expectativas de gênero pra produzir suas expectativas e conectar a vida de dentro e fora da prisão”, resumiu.

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