A arte pode se manifestar de diversas maneiras. Na literatura, ela toma forma de versos ou de prosa para transpassar narrativas e expressões do autor. Nas artes plásticas, o artista se comunica com o mundo através da modelagem, da pintura, das cores etc. O que acontece quando estética e poética se misturam em uma só obra? Em sua tese de mestrado, a artista Patricia Miranda de Lima se inspirou nos textos de Clarice Lispector para criar duas obras em porcelana. A dissertação Porcelana e Leveza: percursos entre pensamento, forma e a materialidade e seus limites é composta por reflexões da própria autora e descrições do processo criativo, tanto sobre a técnica ceramista quanto sobre a expressão poética.
Foi folheando o livro Água Viva, da escritora ucraniana-brasileira, que Patricia se deparou com o trecho: "Eu não tenho enredo de vida? sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver." Estava aí o nome de sua primeira obra, assim com letras minúsculas mesmo. Clarice fazia questão de frisar que não eram erros, mas como a linguagem deveria ser escrita. As formas curvas de sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos são modeladas a partir de placas cortadas e assentadas de maneira a compor camadas. Fragmentos que resultaram do próprio processo de produção foram incorporados a ela, remetendo ao excerto literário.
Silêncio, sua segunda obra, foi inspirada na frequente ausência de som nos contos, crônicas e romances de Clarice, bem como na afinidade da própria artista com o tema. A composição é formada por diversas peças de cerâmica irregulares e curvas, dispostas sobre uma mesa iluminada. Algumas unidades possuem escritos em baixo relevo ou em branco sobre branco. Elas representam as interferências (ou "sons") no silêncio. A translucidez, a disposição dos objetos e a fluidez com que são moldados faz a composição lembrar folhas de papel ao vento.
Mas por que, entre tantos outros escritores, Clarice foi escolhida? "As palavras estão nas minhas obras desde o ano 2005, com frases próprias e apropriações. Eu coleciono frases", explica Patricia. "A escritora tem a força inquestionável que já se conhece. Este trabalho se move a partir de fragmentos extraídos de sua leitura, e recolocados através de meus filtros: minha bagagem cultural, minha poética e minhas buscas na manipulação da porcelana."
A forma, a cor, a translucidez, a textura aveludada: tais características intrínsecas da porcelana foram os atrativos para a escolha do material. Ao lado do desenvolvimento dos objetos, são realizadas pesquisas relacionadas às características da porcelana, como cor, resistência e translucidez. Assim, a pesquisa não só investiga as propriedades do material, mas também as valoriza.
Como resultado, as características dos objetos produzidos estão diretamente ligadas às características da cerâmica. O branco, cor da porcelana queimada, pode ser relacionado à pureza, ao vazio, ao divino. A translucidez dá um ar imaterial à criação. As interferências, as deformações, a retração das peças durante a queima e a secagem, tudo possui seu conceito artístico nas obras.