A pesquisadora Márcia de Araújo estudou a existência, antes ignorada, de crianças negras no ensino público paulista entre 1920 e 1940. Em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da USP (FE/USP), ela problematizou os estudos que costumam generalizar - valorizando o ponto de vista branco - as relações escolares da escola paulista no início do século XX.
Contrariando uma corrente da história da educação que diz que os negros foram relegados ao analfabetismo, essa pesquisa comprova que a população escolar contava com 10% de crianças negras. A tese também aponta a existência de preconceito e discriminação racial e problematiza a interferência de teorias da higiene e eugenia nas práticas educacionais, diferenças estas que podem ser observadas até os dias atuais.
Márcia partiu da hipótese de que crianças negras estavam presentes nos grupos escolares nesse período, visando uma inserção na sociedade moderna e capitalista. “Reiniciei a pesquisa em parte porque minha ascendência africana não permitiu acreditar que seríamos um ‘povo sem história própria’”, afirma a pesquisadora.
Por meio de pesquisa bibliográfica e investigação documental, foi possível comparar fontes oficiais aos depoimentos de famílias negras. Foram analisadas também reportagens de jornais da época.
Segundo Márcia, a maioria das histórias sobre grupos escolares criam a impressão de que eles só eram frequentados por crianças brancas e descendentes de imigrantes japoneses e europeus. No entanto, o período foi marcado por transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas e fez-se necessária a alfabetização das massas, principalmente considerando-se o momento de consolidação capitalista e a necessidade de propagar valores republicanos.
Nesse contexto, a educação foi considerada um instrumento fundamental de transformação social, tanto para educadores quanto para os mais pobres ou excluídos, afirma a autora. Os negros assumiram a educação como pré-requisito para a expansão dos seus direitos.
Segundo dados do IBGE, hoje o Brasil apresenta cobertura escolar “quase suficiente” mas há desigualdade entre as populações branca e negra. Em um país cuja maior parte da população é negra, o racismo permanece no ambiente escolar - podendo acarretar em sérias consequêcias, como a auto-rejeição e a rejeição ao seu igual - e as diferenças étnicas acontecem também no contexto trabalhista.
A tese mostra que o currículo escolar evidencia a influência eurocêntrica, negando as outras matrizes culturais que constituíram o país, e descumprindo a Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira. Márcia então conclui: “...se a historiografia brasileira e a história da educação desenvolveram-se sem a construção de um padrão de relações com a questão racial, é o momento de reavaliar nossa história, e provocar uma reflexão crítica a respeito da nossa diversidade cultural, em todos os âmbitos.”