O período entre 1983 e 1998 foi fundamental para a aproximação diplomática entre o Brasil e a Venezuela. Diante do contexto de crise econômica na América Latina durante essa época, os países vizinhos foram colocados em situações similares, o que gerou posições políticas semelhantes na arena internacional. A dissertação de mestrado de Eliel Waldvogel Cardoso, intitulada "Relações Bilaterais entre o Brasil e a Venezuela (1983-1998)", analisou diversas fontes que indicaram uma intensa cooperação em vários segmentos durante esses 15 anos.
Ao longo de sua pesquisa, o autor procurou demonstrar como se desenvolveram as relações de natureza política e econômica, além de suas relações com as estruturas de poder no sistema internacional. Eliel afirma que, durante o período analisado, nenhum outro país da América do Sul apresentou tantas variáveis comuns ao Brasil, entretanto, "tais afinidades não se manifestaram de forma linear. A criação de um clima de confiança teve que enfrentar desconfianças históricas." Segundo o pesquisador, o fato da Venezuela ter se diferenciado de outros países da região que viveram sob regimes autoritários "permitiu que se formassem laços entre a elite governante venezuelana e líderes da oposição brasileira à ditadura", contou.
Ainda neste contexto, Eliel aponta para momentos em que as relações entre o Brasil e a Venezuela alternaram entre bons e maus. Diante do cenário da guerra fria, o pesquisador indicou um fator relevante do ponto de vista diplomático entre os países. "Vale destacar a adesão da diplomacia brasileira às iniciativas da América Latina no que dizia respeito às questões de segurança. O Brasil se posicionou, por exemplo, a favor da Argentina no caso das reivindicações referentes às Ilhas Malvinas", relatou Eliel. Ele também afirma que isso contribuiu para "desfazer gradualmente a imagem do Brasil de potência agressiva alinhada aos Estados Unidos."
O mesmo não se pode dizer quanto ao posicionamento brasileiro frente à interferência de órgãos internacionais na política econômica dos países endividados. Eliel explica que Brasil e Venezuela adotaram modelos de desenvolvimento diferentes, mas ambos adquiriram dívidas junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) baseadas em juros flutuantes. A diferenciação deve-se à postura adotada posteriormente. "Mostramos que a crise da dívida na América Latina acabou inspirando propostas de coordenação política entre os países devedores para que forçassem a renegociação das dívidas contratadas. Entretanto, tais propostas não encontraram grande adesão por parte dos políticos brasileiros que optaram por não politizar o evento. Já do lado venezuelano, houve maior aceitação", revelou Eliel.
Apesar disso, o pesquisador considera que o saldo político da década de 1980 foi positivo para a integração entre os dois países. Eliel afirma que, ao contrário do proclamado, o encontro político ocorrido em 1994 em Guzmania não pode ser tratado como "o início de uma nova fase na história das relações entre os dois países. Procuramos mostrar que essas relações já vinham acontecendo de forma significativa na década anterior", afirma ele citando a visita de José Sarney a Caracas em 1987.
Aproximação entre a Venezuela e o Brasil é anterior ao período de governo de Hugo Chávez e Lula. Fonte: Gettyimages
Outras questões como os conflitos de fronteira entre garimpeiros e indígenas ou mesmo o advento do neoliberalismo em maior ou menor escala nos dois países foram fatores superados por conta da vontade política e diplomática de Brasil e Venezuela. Eliel afirma que acordos referentes às matrizes energéticas brasileira e venezuelana são retratos de que, em linhas gerais, "a proximidade registrada entre os países durante o período em que governaram Hugo Chávez e Lula teve sólidos antecedentes, marcando uma relação concebida e construída através de momentos e propósitos bastante variados e a longo prazo", resumiu.