As vias de participação da comunidade nas instituições que avaliam o trabalho da polícia no município de São Paulo são complexas e limitadas. A constatação é resultado da dissertação de mestrado de Roberta Corradi Astolfi intitulada “Povo e polícia, uma só direção: os estreitos canais de participação dos conselhos comunitários de segurança da cidade de São Paulo.” A pesquisa buscou analisar algumas hipóteses sobre os Conselhos e acabou revelando algumas contradições e problemas que dizem muito a respeito da sociedade paulistana.
Os Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) são uma das várias instituições que surgiram no Brasil a partir da década de 1980. Em resposta ao trauma da ditadura militar, alguns atores políticos procuraram descentralizar a tomada de decisões e ampliar a regulação dos mecanismos do Estado. No caso dos Consegs, a criação se deu no governo de Franco Montoro em 1985, porém diversas mudanças alteraram seu propósito inicial. "As reformas pretendidas sofreram fortes revezes pela reação de grupos das corporações policiais e de certos políticos. Depois houve alguma mudança com o novo regulamento de 1999, mas não o suficiente para mudar o perfil. Isso fica evidente nas tentativas sucessivamente bloqueadas de diversos deputados em aumentar as atribuições dessas instituições", contou a pesquisadora.
Roberta também revelou que a estrutura rígida com que esses Conselhos foram estruturados limitam a participação plena da comunidade, de modo que "há considerável diferença de relação dos moradores quando se dirigem aos representates das subprefeituras e quando falam aos policiais, geralmente de forma mais elogiosa e conciliadora", contou. Segundo ela, "a explicação é institucional. Em outras palavras, o que impede um comportamento mais contestatório em relação às polícias é a relação definida por uma extensa lista de comportamentos adequados e inadequados, pautados pela lógica militar que a todo tempo parece ameaçar os atores com a não colaboração ou ate mésmo a exclusão de membros em caso de quebra de hierarquia", afirmou a pesquisadora.
Decepções e esperanças
A dissertação também testou alguns diagnósticos pessimistas e otimistas a respeito dos Consegs. Os mais pessimistas apontavam para a proposição de que os Conselhos se configuram como espaços propícios para a reprodução de preconceitos e estigmas de certos grupos sociais. Já os mais otimistas indicavam que os Consegs produzem, ao longo do tempo, comportamentos cívicos e racionais através da prática do diálogo entre diferentes grupos.
O contexto decepcionante se agrava quando a pesquisadora afirma que "nesses espaços é mais comum ouvir reclamações sobre como os direitos humanos atrapalham o trabalho da polícia do que demandas por uma atuação policial respeitadora da lei e garantidora dos direitos fundamentais do cidadão." Porém, ainda segundo Roberta, "há quem diga que os Consegs são espaços de interação contínua entre Estado e sociedade civil e que isso produz uma espécie de aprendizado cívico, um aperfeiçoamento produzido baseado no debate racional e livre. Os Consegs também apresentam a possibilidade de inversão do lugar de autoridade entre cidadãos e representantes do Estado."
No que diz respeito às conclusões da dissertação, a pesquisadora afirma que os Conselhos não pioram o quadro de rejeição aos direitos civis em relação àquilo que normalmente está presente na sociedade. Entretanto, Roberta ainda questiona o fato de os distritos com maior porcentagem de analfabetos apresentarem também a menor taxa de satisfação entre os locais analisados. "Em termos de direitos sociais, os Consegs são capazes de diminuir disparidades no acesso a bens públicos em benefício das faixas de renda mais baixas, porém, são insuficientes para superar desafios relacionados à baixa escolaridade na participação, o que gera resultados como este", avaliou.