ISSN 2359-5191

06/10/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 69 - Meio Ambiente - Instituto de Química
Pesquisadores da USP estudam bactéria causadora de doença em laranjeiras
Tecnologia microfluídica é protagonista no estudo da bactéria que mais infecta lavouras citrícolas no estado de São Paulo e causa Clorose Variegada dos Citros
Foto: Paulo Zaini

O estudo da bactéria Xylella fastidiosa é pauta da pesquisa científica da professora Aline Maria da Silva e do pesquisador Paulo Zaini, ambos no Instituto de Química da USP. A bactéria é causadora de algumas das mais graves patologias vegetais hoje conhecidas que ataca laranjeiras no Brasil — uma das mais importantes plantações do ponto de vista econômico — e videiras nos EUA, base da indústria americana do vinho.

Os pesquisadores usam uma tecnologia que os permite visualizar em microscópio a bactéria viva e em atividade. Ao ser inserida em um fluído que se assemelha ao seu habitat, o xilema da planta, a célula não morre e é possível observar seu funcionamento. Tal tecnologia, chamada microfluídica, é indispensável para o estudo de uma função até então desconhecida de alguns pedacinhos da membrana celular — vesículas de membrana externa (OMV’s) — que são liberados pela célula regularmente. Essa função é a de interferir na sua interação com a parede do xilema, onde a bactéria se fixa, diminuindo ou aumentando seu poder de adesão de acordo com suas necessidades. “Grudar, para essa bactéria, é fundamental para que ela consiga desenvolver a doença na planta. Lá ela se multiplica e consegue nutrientes”, afirma o pesquisador, já que o xilema é o vaso pelo qual a planta circula a água e os sais minerais absorvidos pela raiz. Aline destaca a necessidade de balancear as funções: “Ela tem que encontrar um equilíbrio entre grudar para se estabelecer na planta e não ser eliminada e, ao mesmo tempo, soltar-se para poder colonizar outras áreas da planta.” Zaini explica: “Essas vesículas revestem a parede do xilema e diminuem a adesão da bactéria, facilitando seu movimento.” Os pesquisadores acrescentam que a aderência e multiplicação da bactéria patogênica causam sintomas diferentes em plantas diferentes. “A manifestação do sintoma depende da bactéria, da planta e do ambiente que ela encontra”, diz a professora, ressaltando o foco de seus estudos em laranjeiras e videiras, sendo a última parte de um “projeto que temos em parceria com um grupo americano porque as videiras brasileiras estão livres da doença.”

As tentativas governamentais de controle da doença acontecem de tempos em tempos com antibióticos e poda controlada, mas ela é contagiosa. No caso desta bactéria, a transmissão acontece por meio de um grupo de insetos da ordem Hemiptera, que suga a seiva do xilema. “Eles picam uma planta doente e levam a bactéria para outra planta sadia”, explica Aline.

A indústria da laranja no Brasil emprega diretamente 230 mil pessoas. “É a segunda maior indústria do estado de São Paulo, ficando atrás da cana de açúcar, e a terceira maior do Brasil. Os prejuízos causados pela doença beiram US$100 milhões por ano”, declara Zaini. “A bactéria é encontrada em aproximadamente 40% das laranjeiras-doce no estado de São Paulo, apresentando níveis de sintoma variados, de acordo com o cuidado que é tomado para minimizá-los.” As consequências da doença na qualidade da fruta são redução do volume de suco, peso menor e textura mais fibrosa, tendo menor valor para a indústria e nenhuma aceitação no mercado de frutas frescas.

Os pesquisadores rumam para uma compreensão do mecanismo patológico da Xylella, o que pode vir a colaborar, no futuro, com a descoberta de maneiras mais eficientes de controle da doença. “Essa força de adesão é ajustada às necessidades da bactéria e começamos a entender o que a regula. Uma das maneiras de grudar mais ou menos é a liberação das OMV’s”, declara o pesquisador. Isso significa que se ela precisar colonizar mais áreas da planta, mais vesículas são liberadas para tornar a superfície mais escorregadia e propícia ao movimento. Se a necessidade for inversa, manter-se unida e resistente, de modo que forme um biofilme autoprotetor, menos vesículas são liberadas, favorecendo maior adesão e menor movimento. Tal regulação é a principal contribuição da pesquisa — as OMV’s já eram conhecidas, mas essa propriedade-chave de antiaderência na instalação da doença nunca havia sido descoberta.

Sobre as possibilidades para o futuro dos estudos, Zaini comenta: “Estamos cada vez mais convencidos de que interferir na adesividade da célula à parede do xilema e mesmo à outras células diminuirá o sucesso dela na planta”. Segundo Aline, já existe uma videira em teste. Uma planta transgênica, que foi modificada geneticamente para produzir uma substância sinalizadora que favorece a formação dos agregados de célula dentro da planta. “Assim mantém-se a bactéria localizada, impedindo seu espalhamento. Se ela concentrar-se ali, naquele ramo ou galho, simplesmente o corto e salvo o resto da planta.” Essa técnica é hoje chamada de Pathogen Confusion, justamente por consistir em enganar a bactéria quanto às suas necessidades, e é aplicada no teste por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley. As substâncias induzidas são, geralmente, hormônios mensageiros que reprogramam o funcionamento das células. “Outros testes fazem justamente o contrário. Querem dissolver esse biofilme porque com bactérias mais espalhadas pela planta, o inseto transmissor não consegue pegá-las”, acrescenta a professora, de modo que baste cortar aquela única planta do pomar. Outra possível medida futura é a produção sintética dessas substâncias e sua posterior aplicação em plantas não transgênicas para que elas também possam ser curadas. Além disso, os pesquisadores alertam para a possibilidade do estudo de propriedades adesivas das OMV’s de outras bactérias na instalação de outras patologias, até mesmo humanas.

Um tópico de destaque é o papel das pequenas propriedades produtoras e chácaras de consumo próprio na disseminação da doença. A Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo e cooperativas de plantação monitoram as pequenas lavouras porque quanto menor a área, menos cuidado o produtor tem. “Muitas dessas doenças estão ali incubadas nas pequenas áreas. O produtor não tem tecnologia para controle da doença e isso é um problema grave”, afirma a professora. As razões, segundo Zaini, são a escassez de recursos para tal já que o manejo é custoso, falta de conhecimento dos riscos e a dificuldade de acesso a agrônomos. “É uma política pública das cooperativas agrônomas e do próprio governo distribuir mudas sadias e verificar o pomar”, acrescenta Aline.

Zaini discorre sobre benefícios que o estudo pode trazer à sociedade em geral: “A partir do momento que há melhora na produtividade agrícola, o lucro dos produtores aumenta e o número de postos de trabalho perdidos é reduzido. Quando a lavoura é prejudicada, muitos produtores decidem migrar para o cultivo de cana-de-açúcar por ser uma produção mais simples e de menor risco”, diz. “Se conseguirmos diminuir o impacto dessas doenças, existe a possibilidade do preço final ao consumidor cair e o consumo aumentar de modo que haja maior geração de impostos que alimentam a pesquisa pública no Brasil.”

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