São Paulo (AUN - USP) - “Se não fosse essa convivência, eu não teria conhecido o outro lado”. “O trabalho de inclusão deve ser feito sempre dentro da escola, pois é voltado para todos os alunos”. A primeira afirmação é de Ana Rita de Paula, pós-doutoranda em psicologia e vencedora dos Prêmios de Direitos Humanos da USP (2001) e da Presidência da República (2004). Ela parou de andar aos 7 anos e, ao contrário de grande parte das pessoas com deficiência, sempre estudou na rede regular de ensino. A segunda afirmação é de Edna Mattos, que trabalhou 18 anos em uma APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e hoje é professora da Faculdade de Educação da USP.
Ambas as posições ilustram avanços da sociedade em reconhecer a cidadania das pessoas com deficiências. Mas esse reconhecimento não é unânime. Prova disso foram as reações contra uma cartilha que orienta a inclusão de deficientes no ensino regular. O documento foi publicado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão com o apoio do Ministério da Educação (MEC), e recebeu duros ataques da Federação Nacional das APAEs, detentora de duas mil entidades no Brasil.
“É uma questão de princípios. Todos têm o direito de conviver com as diferenças”, afirma Ana Rita. Ela critica o asilamento de deficientes em instituições, prática que marca a história de exclusão dessas pessoas desde a Idade Média. Assim como a pesquisadora, Edna defende um modelo de educação inclusiva em que escola e sociedade se capacitem para lidar com todos os alunos, deficientes ou não. Embora algumas APAEs já caminhem nesse sentido, a Federação, no entanto, alega que instituições especializadas são insubstituíveis e as escolas não estão preparadas para receber pessoas com deficiências.
Na opinião de Ana Rita, “não se pode dizer que por falta de estrutura essas crianças devam ser segregadas”. Ao mesmo tempo, não se trata de negar a deficiência. A diferença é que o atendimento às necessidades especiais (curso de braile, libra, etc) devem ocorrer dentro das escolas regulares. “A idéia é que a sociedade aproveite o know-how das APAEs, acumulado durante mais de quatro décadas, para subsidiar o trabalho educativo”, diz Ana. “Elas não deixariam de existir, mas mudariam seu papel”.
Mudança de paradigma
Ana aponta a importância que as APAEs tiveram num momento em que não havia políticas públicas voltadas para a questão. Mas não deixa de fazer ressalvas. “A criação de entidades filantrópicas livrou o governo de responsabilidades”, afirma a psicóloga. Mantidas por meio de doações e isenções fiscais, as APAEs são hoje a maior rede de assistência aos deficientes.
No entanto, elas se fundamentam num paradigma já ultrapassado. Até os anos 90, o conceito de integração pregava que o deficiente se ajustasse à sociedade. Com isso se fazia necessária uma etapa preparatória para essas pessoas em entidades especializadas, antes da inserção social. “A realidade é que o deficiente nunca ingressava de fato na sociedade”, relata Edna. Segundo a nova perspectiva de inclusão, a sociedade reconhece seu despreparo e trabalha para receber a pessoa com deficiência. “Daí a importância da humanização e democratização do trabalho educacional”, diz a professora.