Perante as portas de Yafa, meus amores / E no caos das casas destruídas, / Entre os escombros e os espinhos, / Levantei e disse para os olhos: / Vamos chorar... (excerto do poema “Nunca vou chorar”, de Fadwa Tuqan, traduzido por Norma Ismail Abu Hejleh).
Em meio à acentuação da violência na região de Gaza, nos últimos meses, essas palavras sobre o conflito da Palestina ressoam com grande impacto, revelando uma assombrosa atualidade. Escritas por Fadwa Tuqan, uma das vozes femininas mais expressivas da literatura oriental contemporânea, são parte de um poema publicado há mais de 40 anos no volume “A Noite e Os Cavaleiros”.
Diante da importância dessa poetisa, a pesquisadora Norma Ismail Abu Hejleh, na dissertação de mestrado “Fadwa Tuqan, a poetisa palestina”, decidiu empreender um estudo sobre a vida e a produção literária dessa mulher que viveu diferentes fases da história da Palestina, incorporando em sua obra o tema do conflito.
Fadwa Tuqan (1917—2003) foi considerada uma guerrilheira sem armas, por sua ousadia e coragem refletidas no uso da expressividade em seus poemas. Para Norma, essa grande poetisa se destacou e deixou sua marca por diversas gerações por meio da literatura, antecipando em décadas a liberdade de expressão. Norma afirma que “ela foi além, numa época em que a tradição se constituía a lei de maior autoridade, e o homem era o único dono da verdade e o único digno de liberdade, em que se proibia a pronúncia da palavra ‘amor’ pelo gênero feminino”. A pesquisadora ainda pondera que “a rígida sociedade árabe negou a muitas de suas poetisas e de seus poetas revelar suas ricas vivências emocionais, incluindo Fadwa, que teve muitas experiências de amor humano, riquíssimas de intensidade, e se tornou a dama da poesia árabe moderna, encantando com suas melodias poéticas recheadas com muita sensibilidade e fortes expressões”.
Duas vozes femininas
Norma, que também tem ascendência árabe, escolheu a obra de Fadwa por ser pouco conhecida no Brasil, embora seja de grande importância para a literatura palestina. Ela buscou em bibliotecas da Jordânia algumas das obras da poetisa, as quais leu, traduziu e estudou. Um de seus desafios, obviamente, foi a questão do idioma, já que, para ela, era difícil “tentar trazer os verdadeiros sentimentos que estão nas suas palavras recheadas de sentido para o idioma português, pois o árabe é muito rico em significação”.
Apesar disso, para Norma, esse trabalho teve um sabor próprio. Sua intenção era, ao estudar essa artista tão profícua, justamente desconstruir o estigma e os preconceitos quanto à mulher árabe-oriental e revelar sua criatividade e inventividade, sua habilidade com as palavras e sua capacidade de construir reflexões críticas sobre a sua realidade. “Ao representar cada mulher árabe com um coração palestino genuíno, Fadwa falava de todas nós, mulheres, independentemente de categoria social, nacionalidade ou crença, ou outra coisa, seja o que for”, afirma a pesquisadora.
Embora não se trate apenas disso, já que há grande diversidade de temas na poesia da autora, Norma observa o quão combativa Fadwa foi por meio de seus textos. “Ela foi uma mulher de fibra, que lutou e enfrentou o preconceito, em todas as suas formas, em sua vida. Viveu, lutou, superou e venceu.” Assim, Fadwa pode ser considerada um dos símbolos da causa palestina e uma das figuras mais distintas da moderna literatura árabe, e sua obra merece ser conhecida.