ISSN 2359-5191

12/11/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 83 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
No terreiro e no ciberespaço: presença de religiões afro-brasileiras cresce na Internet
Estudo mostra paradoxo entre saberes tradicionais e novas práticas e vivências da religião
Na web e no terreiro (foto: Getty Images)

A participação de grupos religiosos na Internet tem crescido nos últimos anos, fazendo do ambiente virtual mais um espaço de experimentação do sagrado e de vivência da espiritualidade. Isso amplia a visão convencional que se tem de religião, abrindo-a para novas e inúmeras possibilidades.

Tradicionalmente, no campo religioso, a web tem sido dominada por evangélicos, católicos e espíritas. Esses grupos também ocupam grande parcela de setores da mídia como o rádio e a televisão. No entanto, essa realidade vem se transformando, o que se evidencia no crescimento de grupos religiosos afro-brasileiros nesse ambiente. Isso é o que mostra a pesquisa de mestrado de Patrícia Ferreira e Silva, “Axé-online: a presença das religiões afro-brasileiras no ciberespaço”.

Patrícia percebeu que a Internet, hoje, possui conteúdos múltiplos, cujo interesse central é o culto aos orixás, como sites oficiais de terreiros, blogs de sacerdotes ou iniciados, salas de bate-papo, fóruns de discussões e comunidades ou grupos em redes sociais. Nesse espaço circula uma infinidade de conteúdos, como arquivos de texto, áudio ou vídeo — desde e-books a rádios e TVs on-line. Também há procura e oferta de produtos e serviços religiosos. Além disso, segundo Patrícia, “nestes espaços de interação digital o internauta afro-religioso pode ostentar sua pertença religiosa, buscar seus pares, expressar suas opiniões e exibir conhecimentos litúrgicos”.

A antropóloga observa que essa nova dinâmica “parece se contrapor, em parte, ao modelo de aprendizado imposto pela tradição, formalmente baseado na oralidade e restrito ao âmbito da convivência no terreiro”. Isso é válido, segundo ela, especialmente para o candomblé, já que é justamente o mistério que envolve os rituais, as cantigas, as preces e o preparo dos alimentos e das infusões de ervas o que garante a materialização do poder mágico e o contato místico bem-sucedido com os orixás. Como isso poderia se dar no ambiente virtual, de forma exposta e pública?

Assim, há um embate entre duas posições principais: uma mais convencional, que critica a Internet por favorecer a revelação de conhecimentos litúrgicos que antes se restringiam ao espaço físico do terreiro, colocando a religião em risco; e outra, chamada por Patrícia de “intelectualista”, que considera esse movimento como o compartilhamento de um conhecimento antes monopolizado e restrito aos seniores da religião.

 

O tradicional e o novo

Por mais que a rotina do terreiro seja de certa maneira isolada em relação à sociedade mais ampla, e alguns adeptos e estudiosos se apeguem à ideia de manutenção das tradições, Patrícia observa que as religiões afro-brasileiras desde sempre experimentaram transformações em seu quadro de pensamento e esquema ritual. Os usos da Internet e dos recursos disponíveis no mundo virtual, assim, seriam mais uma atualização criativa das noções de aprendizado, hierarquia e prestígio desses grupos. Apesar do aparente paradoxo, não se pode negar a nova experiência de interação das religiões afro-brasileiras proporcionada pela web.

O que se observa, então, é que a Internet apresenta muitas possibilidades para expressar e vivenciar religiosidade ou disseminar concepções do sagrado, e concorre para a transformação do saber tradicional, dinamizando especificidades do próprio éthos afro-religioso. Além disso, tem se fortalecido a percepção de que a Internet pode ser um poderoso aliado também na luta por direitos e contra a intolerância religiosa.

Além do neopentecostalismo e do catolicismo carismático, segundo Patrícia, “as religiões afro-brasileiras também têm experimentado, nas últimas décadas, com a popularização da Internet, a expansão de seu processo de midiatização”. Assim, por mais que exista uma resistência ainda bem marcada nas falas de afro-religiosos quanto às formas de exposição pública potencializadas na Internet, tem se tornado cada vez mais difícil defender a mera ausência de conteúdos sobre as religiões dos orixás nesse espaço, o que justifica as transformações que vêm ocorrendo no âmbito estudado por Patrícia.

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