São Paulo (AUN - USP) - Mais de 150 livros de lendas, contos, poesia oral e cantos. Correspondências com Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Carlos Drummond de Andrade. Registros de personagens e de costumes. Poucas pessoas conhecem a obra de Luís da Câmara Cascudo (1898 – 1986), pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que estudou a cultura nacional por mais de 50 anos.
O seminário “Câmara Cascudo e os saberes”, promovido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), traz à tona aspectos literários e históricos de seus livros, analisados por estudiosos do Sudeste e Nordeste. Acontecem de 15 a 20 de agosto, além das mesas redondas, atividades artísticas como congada, serestas e pastoril (sempre a partir das 19h30, na Biblioteca Mário de Andrade).
O professor Marcos Silva, do Departamento de História da FFLCH, foi quem organizou o encontro. Para ele, rever a obra de Cascudo contribui para o debate sobre o Modernismo Regional (fora do eixo Rio – São Paulo), que é pouco conhecido e valorizado. Outra possibilidade que o seminário oferece é a discussão sobre o conceito de popular.
Silva explica que, em Câmara Cascudo, ele é uma espécie de “território interclasses ou supraclasses”. Para exemplificar, o professor cita uma passagem de “Vaqueiros e Cantadores”, na qual fazendeiros e seus empregados se reúnem para ouvir histórias da região. A cultura popular seria, assim, um “fundo comum” a todos os grupos, um cimento da sociedade, que se opõe aos conflitos. É nesse ponto que surgem divergências.
Há quem defenda que a cultura popular é, essencialmente, a cultura das camadas baixas. Essa concepção, que tem raízes na Revolução Francesa, está ligada à luta de classes. Silva lembra que é preciso estudar os ângulos diferentes sobre a experiência social, e que o debate de um não exclui a análise feita pelo outro.
Atualidade
O universo das tradições do interior do país, que Cascudo estudou (e presenciou) desde sua juventude rica no Rio Grande do Norte, foi registrado em livros como “Dicionário do Folclore Brasileiro” e “Geografia dos mitos brasileiros”, que se tornaram referências no assunto. A obra do mestre nordestino e suas derivações contrastam com os produtos culturais dos grandes centros urbanos brasileiros.
Sobre essa diferença, Silva ressalta dois aspectos. Primeiro: a cultura popular sofre transformações. Com o passar dos anos, o Brasil deixou de ser um país agrário, e houve mudanças no cotidiano. Segundo: há diversos trabalhos “paralelos” à indústria cultural. Acreditar que o que ela expõe é a única produção existente é um engano.
Nesse sentido, o seminário procura mostrar a multiplicidade artística que o Brasil tem. Silva lembra a importância de se debater a diversidade de manifestações culturais, e as características das esferas a que pertencem. Assim, enquanto a indústria cultural é centralizada, uniforme e possui grande alcance, a tradição popular é “descentralizada” e tem autonomia – teoricamente, qualquer pessoa pode trabalhar na sua construção.
O professor Marcos também comenta os momentos destoantes da indústria. É o caso da contratação de artistas como Paulinho da Viola e Cordel de Fogo Encantado, que funciona como uma “injeção de energia” nesse meio. São em oportunidades raras como essas que acontece certa aproximação das duas esferas.