O poder da telenovela de prender a atenção das pessoas nas mais variadas situações é algo interessante e que já foi objeto de diferentes estudos. Em sua dissertação de mestrado, Neide de Arruda pesquisou como se dá essa recepção dentro dos ônibus que circulam na capital paulistana. Com isso, percebeu que a exibição das novelas não apenas prende os passageiros, mas cria espaços de diálogo entre eles.
A pesquisadora notou que, mesmo quando estão cansados e desconfortáveis, as transmissões dos resumos de televonelas nos ônibus captam a atenção da enorme maioria dos passageiros. Seja porque não viram o resumo do dia anterior, por simplesmente quererem ver de novo ou porque aquilo gera um assunto para conversar, a pesquisa mostrou como a novela está fortemente inserida na vida do telespectador brasileiro.
Uma das principais conclusões a que Neide chegou, é que a telenovela nos transportes públicos é uma espécie de recurso comunicativo. A sua transmissão costuma despertar no ônibus a interação entre os passageiros. Eles começam não apenas a comentar o que está acontecendo na novela, mas a transferir aquilo para a própria vida, fazendo comparações entre o que acontece na ficção e o que observam em suas rotinas.
A pesquisadora concluiu a existência de três tipos de recepção. A primeira é a recepção silenciosa, na qual o passageiro presta atenção ao que está acontecendo na telinha, mas não interage com ninguém, por mais difícil que seja ficar alheio a todas as conversações. Para ele a tv ali é uma distração, como se estivesse dentro da própria casa. A segunda é a recepção com interação e compartilhamento. É o que acontece quando, ao ver o resumo da novela, as pessoas começam a conversar com aqueles que estão ao seu lado, por vezes desconhecidos, sobre os personagens, enredos, capítulos anteriores e etc. Isso acontece enquanto o resumo é exibido, de modo que um olho fica na tela e outro na conversa. A terceira é a recepção que lança mão do recurso comunicativo. Nesse caso, a dramaturgia representa uma parte tão grande da vida das pessoas que nada precisa estar sendo exibido para que elas conversem sobre. Basta que se toque em qualquer assunto relacionado às novelas que logo se abre uma conversa.
Para chegar a essas conclusões, Neide realizou uma intensa pesquisa de campo, pois queria realmente vivenciar aquilo que se propôs analisar. A pesquisadora decidiu observar como esses processos se davam em zonas periféricas da cidade e, para isso, durante alguns meses foi cedo para diversos terminais de ônibus acompanhar o começo do dia nos transportes públicos. Fazendo isso, Neide afirma ter visto todo tipo de gente, no geral eram trabalhadores que iam começar o dia logo cedo, mas todos com personalidades das mais diversas. Iniciou seu estudo com uma observação etnográfica, apenas analisando a reação das pessoas ao resumo das novelas e suas conversas. Um tempo depois passou a entrar no diálogo das pessoas para de fato fazer parte daquele contexto. Em seguida, realizou alguns questionários para compreender melhor a relação dos passageiros com as telenovelas exibidas nos ônibus.
Assim, Neide concluiu que esse novo espaço de recepção é extremamente relevante e complexo. A capacidade dessas dramaturgias de prender a atenção é tão grande, pois a exibição das narrativas nos transportes públicos distraem as pessoas de suas rotinas. Tanto a simples obervação do que está sendo transmitido quanto o diálogo criado em torno disso fazem as pessoas saírem um pouco da realidade e viajarem no imaginário, neutralizando, na medida do possível, as dificuldades do dia a dia.