ISSN 2359-5191

08/12/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 96 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
“Nerd” de hoje vai muito além de estereótipo
Universo de bens culturais partilhados articula identidade de grupo
Visão que se tem do “nerd” vem se transformando (foto: Divulgação)

O universo “nerd” vem crescendo e se popularizando nos últimos anos, sobretudo por conta da TV e da web. Isso tem transformado o próprio conceito de “nerd”, agregando a ele uma nova gama de sentidos e conotações, que perpassa a visão tradicional que se tem do “nerd”, mas vai muito além dela.

Embora seu surgimento seja incerto (e sua história seja baseada em rumores), a palavra “nerd” tem sido usada em diferentes circunstâncias e espaços há décadas. Os sentidos que ela comporta, segundo Guilherme Kazuo Lopes Yokote, em dissertação de mestrado O mundo dos nerds: imagens, consumo e interação, oscilam de acordo com o contexto de seu emprego. "Atualmente, tem deixado de lado um aspecto necessariamente pejorativo para dar lugar a uma conotação mais branda", aponta.

O pesquisador observou que até por volta dos anos 1990, a expressão “nerd” era basicamente usada de forma negativa, muito comum em âmbito escolar, e geralmente para indicar inteligência exagerada conjugada a um deslocamento social. A partir da década passada, embora sem abandonar completamente os usos anteriores, passa a abranger também (o que já era uma demanda antiga dos autoafirmados “nerds”) os sujeitos aficionados por certos elementos da cultura pop.

 

A vingança dos nerds (1984). A imagem mais tradicional do nerd.

Essa mudança de concepção, segundo Guilherme, não é repentina e absoluta, mas se trata de um processo de transformação que articula elementos distintivos diversos. É verdade que a figura do “nerd”, tal como construída e reproduzida no cinema e na televisão, nunca deixou de influenciar o imaginário popular. Porém, o que vem se tornando decisivo para a construção da identidade e da imagem do “nerd” de hoje é, sobretudo, sua identificação com um universo de bens culturais específicos, relacionado, sobretudo, com o audiovisual: cinema, televisão, histórias em quadrinhos, games, literatura, entre outros.

 World RPG Fest, Curitiba, 2013 (Foto: Guilherme Yokote)


O universo dos “nerds”

Em sua pesquisa, Guilherme Yokote esteve em lugares específicos de interação dos “nerds”, a fim de ver e experienciar esse “universo”. Ele foi a lojas especializadas, eventos temáticos (como a JediCon, Campus Party, World RPG Fest, Anime Friends), entre outros, além de ter estabelecido contato regular com grupos de RPG. Outra parte importante do trabalho de campo do pesquisador foi realizada em âmbito virtual. Na Internet ele também pôde colher muito material, principalmente em blogs, fóruns, sites de notícias especializados e redes sociais, nos quais se atentou às redes de interação.

O que se observou foi que o modo de apreciação desses bens culturais relacionados ao universo “nerd” é bastante particular. Ele afirma que “ao interagir com esse meio – e isso não se restringe ao modo ‘convencional’ de consumo, como ler HQs ou assistir filmes, mas também, dentro da temática desses universos, comprar miniaturas, fazer tatuagens, participar de debates, ouvir podcasts, escrever críticas e assim por diante, o nerd o faz porque se relaciona de maneira pessoal. A aproximação tão fascinada dos nerds com esses bens revela que há nessa relação uma mobilização afetiva e intelectual.” Assim, pode-se entender esse relacionamento como forma de expressão simbólica e, portanto, também como projeção de identidades no espaço social.
 

World RPG Fest, Curitiba, 2013 (Foto: Guilherme Yokote)

A acumulação e a articulação de conhecimentos específicos acerca dos universos apreciados são vistas por Guilherme como mediadores das relações entre os “nerds”. “Digamos que os nerds se reconhecem. É claro que existem lugares ou circunstâncias mais ou menos propícias a essas interações, mas seja em um fórum de Internet sobre quadrinhos, na seção de comentários de um videocast, em uma mesa de RPG, na fila de um evento de animê ou numa sala de aula, o que estabelece o relacionamento entre esses sujeitos é a capacidade de articular o que conhecem a respeito desses assuntos de modo crítico entre si”, afirma o pesquisador.

Assim, o interesse e o aprofundamento acerca de determinados universos (sejam eles fantásticos, mitológicos, históricos, científicos ou qualquer outro relacionado à temática “nerd”) servem como elo que liga um sujeito a outro dentro dessa extensa rede de interações.

Com isso, se a visão estereotipada e de senso comum sobre os “nerds” ainda os desenha como sujeitos atomizados e antissociáveis, certamente é preciso voltar o olhar, de forma mais atenta, sobre esse grupo, cujas interações se aprofundaram nos últimos anos e se reinventaram, cooperando para a construção contínua de uma identidade mais complexa e ligada a uma experimentação que é, antes de tudo, partilhada.

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