ISSN 2359-5191

17/12/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 103 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Narrativas maias preconizam interdependência entre os seres no mundo
Concepção resgatada em pesquisa revela homem unido ao Cosmos, indissociável ao não humano
Calendário Haab' maia

A origem do homem e o seu lugar no Cosmos, bem como sua relação com os seres que habitam nele, são temas que povoam o imaginário humano em todas as épocas e lugares, figurando como questões importantes para praticamente todos os grupos existentes. Os maias, por exemplo, uma das civilizações mesoamericanas mais expressivas que já existiram, construíram para si concepções singulares quanto a este tema, as quais, embora destoem completamente da visão ocidental moderna, se aproximam, por exemplo, do imaginário dos indígenas da América Amazônica. Isso é o que mostra Joyce Pinto Almeida Carvalho, em sua dissertação A concepção de humano no pensamento maia colonial (meados do século XVI e meados do XVII). Certamente, a maneira de ver o homem para este grupo contrastou com a concepção do colonizador europeu, gerando um choque de visões de mundo.

Ao estudar narrativas cosmogônicas maias — textos que descrevem a criação do Universo, abordando a forma como o mundo no qual o humano habita foi criado e a criação de outros seres que vivem no mesmo espaço, bem como do próprio homem — como o Popol Vuh, o Memorial de Sololá e o Chilam Balam de Chumayel, do período colonial, a pesquisadora Joyce Carvalho observou que os humanos eram mostrados com atributos e qualidades diferentes das que pensamos hoje. Para os maias, “não existe uma linha rígida que separa humanos e não humanos, sendo que essas duas categorias de seres que habitam o Cosmos convivem, compartilham algumas características e têm seu papel na manutenção do Universo”, afirma a pesquisadora.

Por se tratar de uma sociedade animista, o mundo composto pelos maias é habitado por diversas espécies dotadas de consciência. Vários tipos de não humanos são concebidos como pessoas, isto é, sujeitos potenciais de relações sociais. Eles também estão imbuídos de máscaras sociais que os caracterizam como pessoas, portanto, também possuem funções sociais. Ou seja, humanos e não humanos possuem papéis e estão envolvidos numa mesma sociedade.

Para os maias, além disso, a ação não se completa com apenas um ser, mas são necessários outros para que haja determinações. Também animais aparecem sempre em conjunto e conferenciam sobre suas ações, assim como os deuses e os homens.

Joyce Carvalho também mostrou que, apesar de terem sido criados por deuses, os animais têm grande participação na formação do homem. Para essa sociedade, existiram outras humanidades que precederam o homem, as quais possuíam características comuns e distintas umas das outras em relação ao homem. Houve homens de barro e também de madeira. Mas o humano maia, o homem que subsistiu, é o homem do milho, aquele cuja formação se deu a partir deste vegetal. Todo o trabalho relativo ao milho, na visão maia, é feito por animais, sendo que o milho é até mesmo lavado e amassado com o sangue desses animais. E isso conjuga e associa essas entidades, humana e não humana. Deuses, porque são criadores. Animais, porque participam da criação e da formação do homem. E o ser humano, porque intervém no mundo, participa dele e convive com os outros seres do mundo. Assim, compreende-se por que os maias valorizavam a vida em conjunto e a tomada de decisões a partir da deliberação.

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