São Paulo (AUN - USP) - Para estabelecer um contraponto à pedagogia tradicional, de natureza jesuítica, e à moderna, que desvincula a educação do acesso aos bens culturais, pesquisadores da cultura anarquista reuniram-se em uma mesa-redonda e discutiram as possíveis contribuições da prática educacional anarquista no contexto atual. O encontro ocorreu recentemente durante a III Semana de Educação promovida pela Faculdade de Educação da USP.
A educação, assim como a propaganda, ocupam lugares estratégicos na ação política dos anarquistas, seguindo o ideal de transformação social como uma obra coletiva. A revolução (abolição da propriedade privada, do Estado e suas instituições e de qualquer forma de autoritarismo) se faria com o livre consentimento de todos e para isso é necessário que sujeitos sejam livres e conscientes do seu papel histórico. A educação libertária atua neste sentido: de revelar as contradições da sociedade e formar indivíduos críticos e autônomos.
Como esses princípios podem ser traduzidos para a escola contemporânea, com todos os seus problemas e dificuldades? A pedagogia libertária pode ser incompatível com a estrutura capitalista e de Estado, mas pode auxiliar o trabalho dos educadores para iniciar um processo de mudança pela qualidade das escolas. Doris Accioly e Silva, coordenadora da mesa-redonda e professora da Faculdade de Educação da USP, afirma que a principal contribuição da educação anarquista para nós seria a desvinculação entre poder e saber, porque “houve um divórcio entre a educação e o acesso aos bens culturais; esta é a mais grave das expropriações; se filosofia e as artes não são produzidas socialmente, a escola se torna reprodutora de relações de interesse e de poder”. Os libertários entendem a educação como um processo cultural; não há separação entre quem produz os bens culturais e quem os consome.
Cláudia Baeta Leal, doutoranda da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e uma das convidadas para a mesa-redonda, também falou da importância de se incluir trabalhadores dentro e fora da arte, para a autonomização dos sujeitos. Ela afirma que as expressões artísticas dos anarquistas, no começo do século XX, tinham tanto a função de entreter quanto de denunciar as condições da classe baixa e persuadir outros trabalhadores sobre os ideais anarquistas.
“Mas cultura não diz respeito apenas às artes”, defende o professor José Carlos Morel, doutor em Física pela USP e membro do Centro de Cultura Social, também convidado para a mesa-redonda. “Devemos olhar também para as ciências, que são importantes para entender a multiplicidade do mundo em que vivemos e atualmente são jogadas aos tecnocratas”. Para ele, entre muitas contribuições do anarquismo para a educação contemporânea, uma delas seria a possibilidade de pensar sobre a técnica. Cláudia concorda e completa: “a ciência é libertadora, isso deve ser uma conquista coletiva”.