O Piá foi um projeto desenvolvido na Faculdade de Educação da USP entre os anos de 1997 e 2010. Ele foi uma iniciativa pensada por um grupo de estudantes de diversas unidades da Universidade de São Paulo e funcionava na Barra Funda, primeiro na casa Mário de Andrade e posteriormente no Clube Municipal Raul Tabajara. Seu principal objetivo era ser um lugar de reflexão e prática sobre diferentes perspectivas da educação relacionadas ao contexto econômico e socio-político em que o projeto estava inserido.
Entre os anos de 2010 e 2013 a pesquisadora Lígia Freire, que participou do Piá como educadora durante os anos de 2004 e 2008, sistematizou como foi sua experiência nessa iniciativa. A partir desse estudo ela desenvolveu sua dissertação de mestrado intitulada “Elementos para um educação popular infantil: a experiência do Piá”.
Apesar de ser uma experiência pequena e localizada, o projeto Piá merece destaque por ser um exemplo de uma proposta pedagógica diferente. Lígia comenta: “Não basta uma revolução no sentido de construir mais escolas e abrir mais vagas, isso é importante, mas a gente precisa de uma revolução pedagógica na educação” e complementa que “quando se trata da educação infantil, aqui no Brasil a situação é muito triste”.
As creches cumprem o papel de garantia ao acesso à educação para as crianças e direito ao trabalho das mulheres, o que é fundamental, porém no que se refere às práticas pedagógicas com as crianças, o país ainda precisa avançar muito.
Lígia destaca que inicialmente o projeto realizava atividades culturais e artísticas para crianças de idades entre 2 e 14 anos. Quando ele mudou da casa Mário de Andrade para o Clube Municipal Tabajara, a pesquisadora conta: “[A iniciativa] tomou uma decisão de trabalhar com a educação infantil, tratar mais profundamente as questões da infância”.
Eram realizadas diferentes atividades com as crianças, que propunham trabalhar questões culturais, linguagens artísticas e formação política das crianças. Outra característica importante do projeto era que havia um tempo livre reservado para a criança fazer o que quisesse: “Uma característica que era muito forte, era a valorização do tempo livre das crianças”. Nesse tempo, os educadores observavam as atividades da turma e pensavam a partir dos interesses demonstrados por eles atividades posteriores.
Também eram trabalhados a cada ano ou semestre temas de acordo com eixos temáticos, e Lígia comenta que esses temas se misturavam nas atividades livres e vice-versa: “As crianças se apropriavam dos temas e das dinâmicas, do conhecimento que elas adquiriam nas atividades para reproduzir nas suas brincadeiras, nesse tempo em que elas ficavam livres”.
A metologia empregada pela pesquisadora foi o levantamento bibliográfico para traçar esse histórico da educação popular e das concepções de infância. Para sistematizar a experiência do Piá, Lígia utilizou a análise de documentos produzidos durante o projeto e a entrevistas com educadores e com crianças que participaram do projeto, algumas já crescidas.
Segundo ela, “as falas das crianças são as que revelam mais do projeto” e completa “elas entendiam que tinha crianças com situações de vida melhores e outras nem tanto [...] elas sentiam isso com uma naturalidade, que só crianças poderiam”. Ela conta que nas entrevistas também foi possível perceber que os educandos e ex-educandos entrevistados sabiam distinguir que o Piá não era uma escola, tendo pretensões que iam além desse conceito, o que fazia com que eles gostassem daquele espaço.