São Paulo (AUN - USP) - O Brasil tem condições para interferir no processo que separa países mais e menos desenvolvidos científica e tecnologicamente e colher resultados positivos, caso desenvolva políticas ativas para desenvolver o que sabe fazer, o que sabe aprender e o que sabe governar. Essa é a opinião que Glauco Arbix, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, e professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – FFLCH, apresentou em um debate ocorrido recentemente na Faculdade. O evento procurou discutir a relação entre conhecimento, revolução tecnológica e as desigualdades entre as nações. A questão principal foi: ciência e tecnologia são obstáculos ou oportunidades para os países em desenvolvimento, mais especificamente, para o Brasil? Como expositor, também participou Rubens Ricupero, Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da FAAP e ex-secretário geral da Unctad– Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento.
Arbix afirma que o potencial do Brasil deve-se, em grande parte, às mudanças que ocorreram na pós-graduação brasileira nos últimos 20 anos: é o único país em desenvolvimento que tem linhas de pesquisas em todas as áreas, atingindo um espectro muito semelhante aos países desenvolvidos, mesmo com um nível mais baixo e com os problemas de infra-estrutura. O resultado é uma mão-de-obra qualificada e sofisticada que irá trabalhar e se desenvolver em empresas inovadoras.
Isso o leva a crer que nós temos, no conhecimento, uma questão chave. O próximo passo seria, então, uma reflexão crítica que buscasse pressupostos e fundamentos e que priorizasse áreas para orientar pesquisas e debater o que a Ciência precisa, no Brasil, para fazer valer. Ele também defende que, do ponto de vista de quem pretende a democracia, a China não pode ser vista como um modelo de desenvolvimento. Isso pelo fato de que os chineses não tem muita flexibilidade para escolher a profissão, nem há um contexto de liberdade para o desenvolvimento das pesquisas, Há, assim, um certo controle: “A China orienta 90% de seus estudantes para ser engenheiros. Como você consegue desenvolver orientando a atuação?”, indaga o sociólogo.
Arbix defende que o conhecimento, atualmente, é valorizado de maneira inédita. Nesse cenário, ele lamenta que as escolhas brasileiras, no que se refere à tecnologia de ponta, nem sempre recebem do governo o valor que deveriam ter, embora existam alguns dados positivos e inéditos para o Brasil. De acordo com pesquisas do IPEA, cerca de 1200 empresas brasileiras investem 70% a mais do que a média investida pelas transnacionais. Assim, as primeiras faturam mais, pagam 21% a mais para seus empregados, exportam e competem em mercados altamente sofisticados e são responsáveis por mais de 50% do faturamento brasileiro no mercado externo. Apesar de serem poucas empresas que se encaixam nesse perfil, esse é um fato inédito. Como exemplo, ele cita a Sadia. Para o professor, o que falta no Brasil é valorizar o nosso patrimônio: o governo deveria impulsionar setores do nosso futuro para planejar uma política industrial e recuperar certos atrasos.
Já Rubens Ricupero não acredita que se possa ter um desenvolvimento com base na disseminação tecnológica apenas em alguns setores. Depois de muitos anos de experiência na Unctad, sua conclusão é que o processo de desenvolvimento é o processo pelo qual se adquire e se desenvolve a capacidade de gerir e administrar sociedades crescentemente complexas. “Eu não acho que o componente fundamental seja apenas o econômico e nem me parece que o componente econômico explique, isoladamente o desenvolvimento”, afirma Ricupero.
Ele cita o caso da Dinamarca e da Noruega. Segundo Ricupero, esses dois países são desenvolvidos não apenas porque eles têm uma renda per capita muito alta e são países muito produtivos e extremamente competitivos. Há, nesses países, uma capacidade de gestão que se estende a todas as áreas: direitos humanos, meio ambiente, Universidades, escolas primárias, políticas culturais, crime, penitenciárias. Para ele, um país, para se desenvolver deve impulsionar todos os setores com certa uniformidade: “O Brasil pode ser muito eficiente na produção de soja ou de suco de laranja, mas nem por isso pode merecer o nome de país desenvolvido, haja vista a forma como nós administramos outros aspectos da sociedade, igualmente importantes”, diz. Segundo Ricupero, essa baixa capacidade de gestão deve-se, em grande parte à baixa capacidade do sistema educacional, ainda mais em um país como o Brasil, no qual a elite, os dirigentes do país (políticos e proprietários) freqüentam a escola, em média, 9 ou 10 anos, segundo pesquisa realizada pelo Banco Mundial.
Para ele, a tecnologia desenvolvida pelo Brasil através de várias empresas como a Embraer, com as asas de aviões, a Embrapa, no setor do agronegócio, e a Petrobrás, no que se refere à perfuração em águas profundas, demonstra que o Brasil deve investir, sim, na tecnologia em setores de ponta. Mas isso não pode ser encarado como a maneira exclusiva de impulsionar o desenvolvimento brasileiro, mesmo porque há certas oportunidades que se perdem e não podem ser recuperadas, como, por exemplo, o atraso brasileiro na área eletrônica e na química fina.
Ruy Gomes Braga Neto, professor do Departamento de Sociologia e um dos organizadores do evento, também se manifesta a respeito do tema. Ele acha que o Brasil deve investir pesadamente em tecnologia de ponta, contudo o investimento do Estado brasileiro deve definir setores estratégicos, os quais seriam capazes de resolver problemas estruturais e sociais do país. Ele lembra, no entanto que todo investimento em Pesquisa e Desenvolvimento deve ser rigorosamente regulado pela sociedade civil brasileira e seus representantes.